Feedzai. Talkdesk. Unbabel. DefinedCrowd. Estas são algumas das empresas portuguesas que conquistaram um lugar de destaque no mercado global com soluções potencializadas pela inteligência artificial, uma lista que tem crescido a bom ritmo nos últimos anos. O sucesso de empreendedores e startups envolvidas no sector é um indício de que Portugal pode dar cartas no mercado da inteligência artificial, num momento em que a comunidade científica nacional já se afirmou. É isso que considera o professor e investigador da Universidade do Minho, Paulo Novais, que preside à Associação Portuguesa Para a Inteligência Artificial (APPIA). “Sou uma pessoa otimista e acredito que Portugal tem competências”, disse o responsável ao Dinheiro Vivo, explicando que o país está bem posicionado em quatro dimensões fundamentais –pessoas, infraestruturas, empresas e a sociedade.
“Temos uma infraestrutura de high tech razoável, temos pessoas com capacidade e empresas a descobrir a IA e a perceber que pode ser um veículo para a melhoria dos seus processos e adicionar valor aos seus produtos”, sublinhou o investigador. A APPIA, que foi fundada em 1984, é uma das associações científicas mais ativas e antigas do país. Com 300 investigadores seniores, a sua missão é “é promover a disseminação da inteligência artificial como área científica.”
Nos últimos anos, Paulo Novais notou a aceleração do interesse nestas tecnologias e na sua transferência para o mercado empresarial. “Não há startup que queira o nome que não tenha associado a si mesmo uma qualquer coisa de IA”, referiu. No seu grupo de investigação na Universidade do Minho foram criadas duas recentemente: a Performetric, que trabalha em análise comportamental com sistemas de monitorização de fadiga mental, e outra dedicada à área da segurança a partir de uma tese de doutoramento. Uma vez que as grandes universidades e os politécnicos mais importantes têm cursos de engenharia informática com disciplinas de inteligência artificial, Portugal está bem preparado em termos de competências. E não se trata apenas de startups.
Fora do circuito do empreendedorismo, diz Paulo Novais, as outras softwarehouses portuguesas também têm vindo a descobrir e a incorporar a IA. O investigador exemplifica com os casos da WeDo, Outsystems, Critical Systems e Primavera Software, sublinhando que existe uma grande utilização de modelos de IA ligados à análise preditiva e analítica. “Começa a aparecer um movimento em que as empresas estão atentas ao fenómeno”, indica. “No mínimo, as empresas portuguesas começam a estar preocupadas se têm dados e se estes podem gerar mais valor.”
Esta fase “intermédia” da inteligência artificial – antes dos robôs companheiros com que George Lucas sonhou na “Guerra das Estrelas” – está muito dependente de grandes quantidades de dados, e da qualidade dos mesmos. Esse é um desafio de que as empresas portuguesas começam a estar conscientes, já que a maioria não está preparada para isto. Porquê? No passado, não tiveram necessidade de recolher, armazenar e estruturar dados, pelo que esses mecanismos não estão implementados. “A maioria das empresas está a acordar e nota-se isso na forma como elas se dirigem a nós, investigadores”, sublinha o professor da Universidade do Minho.
No seu conjunto, a comunidade científica portuguesa ligada à inteligência artificial é coesa, ativa e colaborativa, reconhecida a nível internacional. Paulo Novais, por exemplo, colabora com grupos de Espanha e um centro de investigação no Japão e destaca outros investigadores, tais como os professores Mário Figueiredo e Ana Paiva no Instituto Superior Técnico, José Alferes na Universidade Nova de Lisboa, Amílcar Cardoso na Universidade de Coimbra e Luís Paulo Reis na FEUP. O professor sublinha também o papel importante da professora Manuela Veloso na universidade norte-americana Carnegie Mellon e lembra que um dos livros recomendados por Bill Gates, “The Master Algorithm”, foi escrito por Pedro Domingos.
O relevante, sublinha, é que o país não está só à espera do que acontece na Europa. Paulo Novais é um dos especialistas que está a contribuir para o desenho da estratégia nacional do governo para a inteligência artificial, AI Portugal 2030, e sublinha a importância de decidir apostas estratégicas. “Acredito que se Portugal for capaz de fazer isso pode tirar daí muitos proveitos. Temos algumas limitações, os fundos não abonam, mas temos um espírito empreendedor e de ‘desenrascanço’ que nos pode permitir dar o salto”, afirma.
“Noto que há um despertar e uma vontade, temos é que ter decisões. Acreditar que este é um caminho possível para que Portugal tenha sucesso e que a qualidade de vida dos portugueses melhore e possamos alcançar níveis de uma sociedade avançada e progressista.” No que respeita à estratégia, sublinha que “não basta uma carta de intenções.” O professor considera que o país deve selecionar as áreas em que pretende apostar forte e “pôr as cartas na mesa”, indo “sem medo.”
Há já várias iniciativas nesse sentido, tanto públicas como privadas. O Estado português tem lançado calls para projetos que permitem a entidades públicas colaborar com centros de investigação e incorporar IA nos seus processos, e a Fundação Calouste Gulbenkian criou um projeto de novos talentos em inteligência artificial. “São iniciativas como essas que estão a aparecer e se espera que tenham um efeito multiplicador”, sublinha o presidente da APPIA.
Pelo lado científico, a associação tem uma série de iniciativas anuais que este ano serão reforçadas. Em setembro, será realizada na Universidade de Trás-os-Montes a conferência internacional bianual “EPIA Conference on AI”, cuja designação vem do acrónimo Encontro Português em IA. Os oradores principais do evento, que reúne investigadores de todo o mundo, serão Michael Wooldridge da Universidade de Oxford, Albert Bifet da Telecom ParisTech e Mark Doriga da Université Libre de Bruxelles.
A APPIA organiza também um simpósio doutoral e uma Escola Avançada em IA, sendo que este ano, pela primeira vez, será criada uma Escola Multidisciplinar em colaboração com a associação espanhola. A iniciativa será realizada entre junho e julho em Vila Nova de Cerveira com o intuito de “pensar novas facetas da inteligência”, um brainstorming que incluirá pessoas de áreas como filosofia e neurociências para falar sobre novas formas de ver a IA.
Sob o chapéu da APPIA são feitas também Tertúlias em IA e é entregue um prémio anual para a melhor tese de doutoramento no sector. Todas estas iniciativas, em conjunção com o que está a ser feito ao nível público e do empreendedorismo, pretendem contribuir para que Portugal não fique para trás numa revolução que está à porta. “Como associação, temos estado preocupados em alertar para esta realidade: é um comboio que só passa uma vez”, indica. “Se não formos capazes de o apanhar, em que carruagem for, corremos o risco de nos tornar irrelevantes.”
O professor avisa que o timing é importante e depois será tarde, “porque os outros terão uma vantagem competitiva que não vai ser possível recuperar.” Essa vantagem é diferente das conseguidas em anteriores transformações de grande monta, porque “esta revolução industrial lida com conhecimento.” E este, quando não se ganha no momento certo, dificilmente se recupera.