Durante um evento recente, onde se debateu a nova geração móvel, o diretor de pré-vendas de redes da Ericsson Portugal, Luís Muchacho, foi abordado por uma entidade portuária que mostrou interesse na adoção de 5G para melhorar a sua gestão. É um exemplo notável: a rede ainda não está comercialmente disponível em Portugal, mas o potencial de transformação é tão grande que chega a sectores aos quais não se associavam novas gerações de telecomunicações móveis, como o dos portos.
O responsável, que faz parte da equipa de gestão da Ericsson Portugal, tem uma vasta experiência no sector e é um veterano da empresa, na qual entrou em 1999. Considera que o 5G tem potencial para mudar a forma como vários sectores funcionam, num impacto transversal que vai obrigar a uma cooperação entre fornecedores, operadores e clientes como nunca antes. Luís Muchacho fala dos melhores exemplos a caminho de uma geração que promete mudar tudo.
Quantas redes 5G com equipamento Ericsson já estão ligadas em todo o mundo?
A Ericsson está a trabalhar no 5G desde o início da standardização e somos um dos líderes em desenvolvimento. Somos fornecedores de 24 redes comerciais que estão ao serviço em quatro continentes, e essas redes fazem parte de um conjunto mais alargado de 78 acordos comerciais que temos com operadores líderes. Estamos presentes por exemplo na primeira rede comercial da Europa, na Suíça, e também nos Estados Unidos.
A Ericsson tem um grande foco no 5G, sendo que esta não é apenas uma rede para desenvolver com os operadores, é para desenvolver com um conjunto mais alargado de players e entidades do ecossistema. É uma das principais diferenças face às gerações anteriores.
O tipo de empresas com que estão a trabalhar é agora mais alargado?
Exatamente. O 5G é uma geração diferente, que não vai trazer só mais velocidade, mais débito, melhor performance e menos latência. Essas características vão permitir melhorar os serviços que são entregues aos clientes atuais, nos serviços de mobile broadband, mas também fruto dessas características especiais o 5G tem o potencial de trazer benefícios para um conjunto alargado de sectores, nomeadamente a digitalização da indústria e criação de novos serviços.
Para que isso tenha sucesso, estamos a falar de um ambiente de inovação puro, em que não existem soluções definidas a priori por empresas fornecedoras como a Ericsson. Existindo a tecnologia e existindo os operadores móveis, é necessário algo mais, que a sociedade, as empresas, as startups, as universidades apareçam e desenvolvam casos que possam tirar partido do 5G.
Estão a fazer isso em Portugal?
Tem sido um esforço da Ericsson também aqui em Portugal na colaboração que temos com várias entidades, nomeadamente com os operadores, trazer esses casos de uso para tentar estimular a experimentação e os ensaios no mercado. Cocriação e ambiente de inovação são necessários para tirar partido do potencial do 5G.
Isto pode desencorajar a adesão, porque dá mais trabalho às empresas que têm de investir e ser criativas?
O 5G não será apenas uma tecnologia que vai funcionar da perspetiva da oferta, mas também na perspetiva da procura por novas aplicações que tirem partido do 5G. Acreditamos que o potencial do 5G será suficiente para conseguir estimular o aparecimento desses casos de uso. É necessário também que as parcerias sejam encaradas de uma forma alargada. Nesse sentido, temos colaborações com várias universidades, como o King’s College, lançámos em Espanha o primeiro curso de mestrado de 5G, temos também um programa designado Ericsson One que decorre na sede na Suécia e permite atrair startups – há uma portuguesa que participou e até ganhou um prémio e está a fazer cocriação com a Ericsson.
O que oferecemos nesse ambiente é acesso à tecnologia, acesso global, experimentação antecipada de tecnologia e contaminação positiva com outros casos que sejam desenvolvidos noutros mercados.
E que permitam às empresas perceber onde é que o 5G pode encaixar para resolver os problemas que têm?
Precisamente, começar na academia e pequenas startups, onde está a génese das ideias, e disponibilizar a tecnologia para levar à experimentação. Algo que mencionamos no estudo que fazemos com a Arthur D Little é uma análise em 10 clusters que pretende analisar precisamente qual o potencial e necessidade de digitalização desses sectores. Por exemplo a indústria de manufatura automóvel, em que temos vários exemplos na Alemanha, como a fábrica da Mercedes.
Estas grandes empresas têm uma infraestrutura que pode beneficiar bastante da digitalização e da comunicação. Juntar a génese de ideias com estas grandes empresas que têm potencial de benefício de digitalização. É o que mencionamos no estudo da Ericsson que refere um potencial de 4 mil milhões de dólares para Portugal.
Há casos de uso ideais para ilustrar o 5G, coisas que tenham sido feitas com a participação da Ericsson?
Os casos da indústria de manufatura na Alemanha, em que se montou um ambiente de rede privada na perspetiva de cobertura dedicada e se experimentou no caso da Mercedes um cenário de interligação dos vários dispositivos e dos veículos da fábrica pela rede 5G. Portugal tem também manufatura, alguns clusters importantes em que pode ser interessante. Há alguns exemplos também de utilização de IoT na agricultura.
Sendo Portugal um país com uma fronteira marítima grande, com portos importantes, toda a gestão das unidades portuárias com uma rede 5G – estamos a falar da digitalização de todos os serviços utilizados nessa entidade portuária. Num ambiente de porto, tal como numa fábrica, a retirada da dependência dos cabos, essa fábrica ou porto [podem] ser totalmente wireless. Por exemplo, no ambiente de fábrica verifica-se que existe uma grande flexibilidade na localização dos pontos de assemblagem porque foi feita a digitalização e essa fábrica tem maior capacidade de adaptar alterações da produção que outra fábrica com uma infraestrutura mais rígida.
Na Coreia existe adoção de realidade aumentada. Sendo Portugal um país de turismo, a utilização desse tipo de aplicações, que vão ter necessidades de conectividade maiores, é outro exemplo. Há casos associados ao healthcare, no King’s College foram experimentados conceitos. Telemedicina, realização de exames remotos, ecografias remotas.
De que forma a experiência internacional poderá influenciar o trabalho que estão a desenvolver em Portugal?
Um dos ensinamentos que trazemos é que são necessários vários passos, desde logo a experimentação e instalação que tem o seu tempo, disponibilizar essa tecnologia e expô-la à criação dos casos de uso. A experiência diz-nos que a criação de valor e dos casos de uso varia de país para país e de empresa para empresa. Existe um tempo de adoção e maturação deste ecossistema. Os ensaios feitos em Portugal têm de continuar para se acelerar este desenvolvimento.
Sendo que o 5G numa fase inicial vai trazer mais capacidade para servir os utilizadores de mobile broadband com mais débito e com isso permitir desenvolver logo mais aplicações, nomeadamente de realidade aumentada.
Qual é a oferta principal da Ericsson em Portugal nesta transição entre o 4G e o 5G?
O nosso papel tem sido o de trazer a experimentação para criar os casos de uso. Do ponto de vista de auxiliar à transição do 5G, a infraestrutura Ericsson está pronta para 5G, os rádios que entregamos desde 2015 estão prontos para o protocolo, temos também soluções inovadoras que permitem de uma forma eficiente coexistir o espectro usado para 4G com serviços de 5G.
Cada caso de uso tem as suas características de necessidade de latência e de débito e isso significa que vai ser uma rede diferente que terá de ser programável e ajustável a cada caso. Para isso é preciso que a rede core esteja preparada para slicing. A nossa solução de core está desenhada para o funcionamento em modo dual de forma a permitir uma migração faseada.
A capacidade de programar e fatiar a rede vai permitir fazer coisas que não se podia fazer anteriormente?
Sim. E aí estamos também a falar do segundo passo do 5G, em modo standalone, que vem no final do próximo ano.
O que estão a ver em termos de recetividade e interesse das empresas portuguesas?
Nós vemos uma grande recetividade das empresas, desde logo nas colaborações que temos com os operadores móveis ou noutras atividades que temos de colaboração. Recentemente fui abordado por uma entidade portuária que mostrou algum interesse. Existe interesse potencial, existe curiosidade, agora falta continuar a dar os passos. É necessário que exista ambiente de experimentação e daí estes pilotos que temos vindo a desenvolver, porque isso também dá uma previsão de disponibilidade das redes e uma previsibilidade de dimensionamento, ou planificação dos investimentos. Nalguns países há incentivos que têm sido dados e isso pode ajudar.
Ana Rita Guerra, Los Angeles