Há moedas a voar e jogadores, de smartphone em punho, a tentar apanhá-las a todas. E quando uma feiticeira emerge do chão e as faíscas dos disparos cobrem a linha de visão, um jovem jogador rodopia e agacha-se para se posicionar melhor na luta. Todos estão a assistir às mesmas peripécias, ao mesmo tempo, sobrepostas à realidade. Isto é uma coisa que nunca se tinha visto, e isso está espelhado nas expressões de quem joga e de quem passa pelo local: estão a assistir ao nascimento dos jogos em realidade aumentada multi-utilizador.
A proeza é da startup portuguesa ONTOP Studios, liderada por Nuno Folhadela, que o mercado dos videojogos conhece da anterior Bica Studios. Fundada em 2018, a equipa tem anos de experiência na tecnologia que se materializaram nesta nova plataforma, ARcade Sports, cuja estreia no Qatar deixou os utilizadores de queixo caído.
“Conseguimos fazer realidade aumentada em que a experiência que estamos a ver é partilhada por todas as pessoas”, resume ao Dinheiro Vivo Nuno Folhadela. A novidade é recorrer à nova geração móvel para permitir a experiência multi-utilizador e a transmissão ao vivo. É “uma experiência 5G partilhada com quatro utilizadores a jogarem em conjunto e a fazerem streaming em tempo real”, usando a nova rede da Vodafone Qatar.
Para explicar a diferença desta experiência multi-utilizador, Nuno Folhadela dá o exemplo do jogo RA móvel mais conhecido, Pokémon Go. Quando se abre este jogo no smartphone e se encontra uma criatura, é possível para o jogador do lado encontrá-la naquele local também. Mas um não consegue ver o que o outro está a receber no ecrã do seu smartphone. Ou seja: se um jogador apanhar um raro Pikachú, este não desaparece do smartphone do outro, que continua a poder apanhá-lo. São jogos independentes. O que a ONTOP faz é o oposto: se alguém interage com aquilo que o jogador do lado está a ver, ele vê essa interação. “Se apanhares um Pikachú eu vejo-o”, resume Folhadela. “São experiências partilhadas.”
O 5G torna-se essencial para permitir quatro jogadores em simultâneo. “Todos estes dados estão a ser processados em tempo real”, indica o CEO. “Quando o monstro se vira para um jogador, os outros jogadores têm de ver aquele movimento em tempo real.” De acordo com Folhadela, “sem 5G esta ideia seria completamente arcaica, nem conseguiríamos ter quatro utilizadores ao mesmo tempo.”
A oportunidade de demonstrar pela primeira vez a tecnologia no Qatar surgiu porque a ONTOP está integrada no Vodafone Power Lab em Portugal e foi eleita Startup do Ano 2018 pela operadora. “Isso abriu inúmeras portas”, diz o responsável. Com cinco pessoas – dois engenheiros, dois artistas e o CEO, a empresa está agora a afinar a tecnologia e a preparar o modelo de negócio para o ARcade Sports, que será definido em conjunto com a Vodafone. Até porque esta plataforma precisa de tecnologia que ainda não está disponível em vários locais – incluindo Portugal.
É que este não será um jogo para descarregar numa loja de aplicações móveis. Pela sua natureza, é uma experiência social a ter num ambiente de arcada – espaços onde as pessoas se juntam, como se fazia antes do advento das consolas domésticas, para jogar. É um conceito que tem estado a ressurgir alavancado pela realidade virtual, embora esta seja uma tecnologia que não interessa à empresa: “O VR tem potencial mas é muito para isolar as pessoas umas das outras. E a realidade aumentada é exatamente o oposto, é um convite para sair à rua com outras pessoas para participar em experiências em conjunto.” Outros projetos relevantes da ONTOP incluem o PuzzlAR: World Tour e o Vodafone Rockout, que foi jogado pelos festivaleiros no Rock in Rio e Paredes de Coura.
Dizendo que o ADN da equipa é desenvolver experiências sociais, o responsável explica que o que estavam a fazer não era em tempo real e que o 5G abre a porta para dar esse passo.
A afinação da tecnologia também passa pela exploração do MEC, ou multi-access edge computing, de forma a passar o processamento de dados do dispositivo para a nuvem. “O que nós queremos fazer com 5G é ter todo o processamento na cloud”, resume o CEO. Isso significa que a imagem que o smartphone ou óculos de realidade aumentada captam é enviada e renderizada na nuvem e reenviada para o dispositivo. Tudo em tempo real, porque o 5G tem uma latência muito baixa. “É nisto que estamos a trabalhar, a desbravar território que nunca foi feito”, diz Folhadela. “No fundo, o que queremos fazer é criar a nova revolução do gaming.”
A trabalhar com vários parceiros, que incluem Magic Leap e Bbox, a startup pretende continuar a mostrar a sua tecnologia em eventos, recolher dados e melhorar o produto para estar pronta no momento em que a tecnologia e os dispositivos estiverem alinhados. “Quando houver essa convergência temos a nossa grande oportunidade.”
E isso pode passar pela diversificação de experiências proporcionadas pela plataforma, não apenas este tipo de jogos. O CEO faz uma analogia com os serviços de streaming que estão a competir em formatos idênticos, ou seja, tudo se passa no ecrã. “O futuro”, argumenta Folhadela, “vai ser espacial, à tua volta.” Se a empresa conseguir escalar e atrair outros programadores, transformando-se numa espécie de plataforma de eleição para entretenimento em realidade aumentada, o mercado alarga-se consideravelmente. E a ambição, até ver, não conhece barreiras – tal como a nova geração.
“A beleza do 5G é que ainda não há um limite”, graceja o CEO. “Temos de ser nós a trazer as ideias e a lançar desafios para ver até onde é que a máquina vai.” Na sua perspetiva, a experiência que estão a fazer com o ARcade Sports “é só uma pequena amostra do potencial do futuro.”
O seu grande objetivo é conseguir mapear o mundo – assim mesmo, ao estilo Google Maps. Para que alguém possa ir na rua com o seu smartphone a seguir um avatar e perceber que este desapareceu porque está atrás da esquina de um prédio, algo que só é possível se a plataforma tiver um mapa detalhada de todo o ambiente que rodeia o utilizador. “Se alguma coisa consegue possibilitar isso”, remata Folhadela, “é o 5G.”
Ana Rita Guerra, Los Angeles