Estas vertentes estão, de facto, todas ligadas. No passado, costumávamos perceber sustentabilidade como sendo uma interceção entre 3 pilares, sociedade, economia e ambiente, e costumávamos ver essa interseção num diagrama de Venn de 3 pilares em que lá no meio aparecia sustentabilidade.
Na verdade, não é assim. É deixado muito claro pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas que, de facto, não há uma economia sem uma sociedade forte e não há uma sociedade forte sem um sistema natural de base forte. Portanto, há uma interdependência e não necessariamente uma individualização desses sistemas. Cada vez mais as empresas começam-se a aperceber, por uma série de circunstâncias, sejam elas ligadas às desigualdades sociais, às condições dos trabalhadores, saúde mental muitas vezes, além de todos os impactos ambientais de que, de facto, todas estas questões são interligadas e são dependentes umas das outras.
Este reconhecimento difere de caso para caso. Há empresas que já hoje são líderes nestas abordagens, como a Patagónia, e que claramente demonstram essa visão de sustentabilidade muito mais sistémica do que o ESG como nós agora ouvimos falar. Mas no mercado nacional ainda é difícil haver empresas que, de uma maneira clara e transparente, façam essa ligação direta. O foco delas ainda está muito sobretudo na vertente social, assim demonstrou o inquérito que fizemos este ano sobre maturidade ESG. Ou então ligam-no a questões ambientais. Não fazem é a ligação de maneira a perceber quais são os ‘checks and balances’ entre os três pilares.
Há sectores ligados às matérias-primas de base que já perceberam que, por terem cadeias de valor muito grandes e que os impactos, riscos e oportunidades podem vir de diversos pontos de entrada. Acabam por estar mais disponíveis para mergulhar a fundo no estudo destas interdependências, de maneira a identificar pontos de atuação quer do ponto de vista de modelo de negócio quer de modelo operacional, até mesmo desenvolvimento do produto ou até do ponto de vista de criação de valor acrescentado. São empresas industriais em sectores exportadores, que estão muito mais suscetíveis a serem pressionados pelos seus clientes ou pelo sistema financeiro para atuar de maneira a garantir a resiliência do negócio. Não é tanto a questão do regulador. O regulador surge se calhar em segundo ou terceiro plano.
Nós temos um tecido composto sobretudo por pequenas e médias empresas. Não quer dizer que não esteja sensibilizado para as questões, muitas vezes o que não têm é os recursos disponíveis para poder ir mais a fundo nessa análise, seja eles recursos humanos ou financeiros.
Há duas maneiras de ver a CSRD. Se nós a vemos simplesmente como uma questão de compliance com uma exigência do regulador, vamos sempre achar que aquilo é algo penoso, que não nos traz valor acrescentado porque estamos a dar uma resposta. Temos que procurar dados, temos que escrever num ficheiro e enviar para o regulador. Essa é uma abordagem que muitas empresas estão a ter. Querem resolver o tema o mais rapidamente possível, ter a informação digitalizada com uma tecnologia que permita recolher essa informação de uma maneira expedita e reportar.
Depois temos a as empresas que estão a ter uma abordagem mais estratégica. Porque a CSRD traz com ela um importante instrumento de mapeamento de impactos, riscos e oportunidades que se chama análise de dupla materialidade.
Se esta análise for encarada como um momento para a empresa perceber quais são os riscos de curto, médio e longo prazo a que está sujeita e quais as oportunidades que pode agarrar, então não vai ver a CSRD como simplesmente algo de reporte, mas vai vê-la também como uma oportunidade para fazer essa diligência junto dos seus stakeholders e especialistas e assim preparar melhor o que vai ser a sua ação no futuro em termos de desenvolvimento do próprio negócio.
Nós Deloitte privilegiamos esta abordagem, porque entendemos que é a abordagem correta, até porque este é um tema que vai se tornar ‘business as usual’ para muitas empresas. Todos os anos vão ter que fazer este relatório integrado e ano sim ano não ou dentro de um espaço dois a três anos, vão ter que voltar a repetir a análise.
Enquanto elas não integrarem este procedimento dentro do seu ADN vão sempre encarar como sendo algo de reporte, que não tem necessariamente um valor acrescentado, que até desvia recursos de trabalho que é mais importante.
Muitas vezes a preocupação é essa: quanto tempo eu vou ter que me dedicar a este tema? Alocar recursos a fazer este tipo de trabalho é uma questão.
De certa forma. Temos trabalhado com empresas no sentido de melhorar os sistemas internos tecnológicos para poderem reportar pelo menos a informação que é de caráter quantitativo. Para ser mais fácil de se conseguir reunir essa informação e concentrá-la no reporte.
Do ponto de vista estratégico, preocupa-me aquilo que sendo relevante para o negócio das empresas elas ainda não o tenham abordado. Estou a falar, por exemplo, de aparecer um tópico material relacionado com riscos de biodiversidade e capital natural ou questões relacionadas com economia circular e a empresa não ter uma estratégia, não ter uma visão, não ter uma política ou um plano de ação para abordar esse tipo de riscos e esse tipo de oportunidades.
Isso para mim é perda competitiva da empresa face aos seus pares no mercado europeu, que está a tornar esta informação muito mais transparente para todos os os os agentes económicos. Empresas que não se preparem nesse ponto de vista, vão à partida estar em desvantagem face a outras concorrentes que já têm esse pensamento feito.
Sim, sente-se uma aceleração. Às vezes estas coisas são a última na lista de tarefas e à medida que o ano de obrigação vai-se aproximando de repente é preciso fazer alguma coisa.
O facto é que o Green Deal já foi aprovado há muitos anos. Estes temas, seja CSRD, seja a taxonomia já são conhecidos há alguns anos e portanto, houve tempo para haver esta preparação. Más notícias ou boas notícias, dependendo do ponto de vista, é que isto não fica por aqui.
Vamos ter mais, de acordo com aquilo que está previsto no âmbito dos regulamentos da Comissão Europeia e associados ao Green Deal e com todo o novo esforço colocado pela nova Comissão nestas matérias, nomeadamente o Net Zero industrial industrial Plan e economia circular. Inclusivamente temos uma comissária para a economia circular, coisa que não existia antigamente.
Vai existir uma série de diretivas e de regulamentos que vão ter aqui implicações grandes no mercado europeu e em empresas que queiram colocar o seu produto em mercado europeu.
É muito importante que as empresas nacionais comecem a estar mais atentas a este pipeline, porque pode ter sérias implicações para o seu negócio, sejam elas empresas B2B ou B2C. Mas sobretudo as B2B, visto que nós estamos presentes nas cadeias de valor de muitas grandes indústrias na Europa.
Por força dessa pressão dos clientes, vai haver pedidos e solicitações que dantes não existiam e as empresas têm que estar preparadas para as responder, sendo alternativa poderem eventualmente até ficarem de fora da rede de fornecimento dessas empresas.
É um risco, não é algo para ser levado de ânimo leve. É algo para ser levado com seriedade.
O inquérito é feito a mais de 2.000 CEO de 27 países, portanto isto é bastante amplo. Quando se pergunta sobre os benefícios gerados pela ação concreta dentro das empresas nestes domínios, passou-se de falar de benefícios de reputação da marca e passámos a ver mais vezes citados benefícios ligados diretamente com o negócio, ou seja, com a cadeia de valor, com eficiência.
Nota-se essa viragem, começa-se a perceber que há uma ligação direta entre valor acrescentado para o negócio, para o serviço ou para o produto destas ações.
O que elas estão a fazer é sobretudo ligado a monitorização da cadeia de valor e do desempenho da cadeia de valor. Isto vem um pouco na lógica daquilo que se prevê para a frente das diretivas europeias, em que há uma forte aposta em que a empresa exerça o seu poder enquanto grande comprador ou parte da cadeia de valor para influenciar os seus fornecedores.
A eficiência de processos e operacional também foi reportada como sendo uma das áreas tecnológicas onde as empresas estão a colocar esforços.
Há monitorização interna de desempenho em domínios ESG, ligada muitas vezes à IA generativa. E depois o desenvolvimento de produtos e serviços que tem como base uma abordagem de design mais sustentável.
Isto está ligado sobretudo aos novos regulamentos do ecodesign da União Europeia, que trazem aqui uma série de prescrições para determinadas categorias de produto que obrigam a que a empresa tenha uma abordagem completamente diferente à análise de impacto ambiental da produção. Vai ser obrigada a ter essa essa informação se quiser colocar o produto em mercado europeu.
Cada peça desta regulação do Green Deal está ligada. Quando estamos a trabalhar numa automaticamente estamos a verter informação e a solidificar a ação no cumprimento de outra diretiva e, portanto, é nestes grandes grandes tópicos que as empresas têm estado a trabalhar durante o último ano, de acordo com aquilo que que o Survey diz.
No relatório deste ano, as questões relacionadas à inteligência artificial estão à frente das alterações climáticas no que diz respeito a ser o desafio mais premente das empresas. O primeiro é inovação, incluindo a inteligência artificial, com 38%. O segundo foi o outlook económico e o terceiro foi alterações climáticas.
Parece-me que ainda há alguma inibição em querer usar IA generativa como sendo algo para o seu dia a dia, mas obviamente que há aqui vantagens importantes que a inteligência artificial traz.
Acho que é preciso haver salvaguardas. É preciso haver uma auditoria e um assurance associados a essa utilização de IA generativa.
É uma questão de tempo até termos mais integração de modelos de inteligência artificial no apoio à decisão, nunca em substituição de, mas sim no apoio à decisão.
A Deloitte Portugal foi uma das empresas envolvidas no desenvolvimento do novo Protocolo Global de Circularidade promovido pelo WBCSD, apresentado na New York Climate Week.
É um trabalho que envolveu uma colaboração muito grande entre várias Deloittes europeias. Tal como o Protocolo GHG que é utilizado por várias empresas para calcular a sua pegada de carbono e orientá-las no sentido de desenvolver os seus planos net zero, este protocolo, que é um trabalho que vai continuar a decorrer, pode ajudar as empresas a perceber melhor qual o seu nível de maturidade em matéria de circularidade e que novas oportunidades podem desbloquear integrando princípios de economia circular, quer seja no seu produto, quer seja no seu serviço, quer seja no seu modelo de negócio. É um marco e um projeto muito importante para a área de sustentabilidade.
Ana Rita Guerra