Futurista, autor e veterano da área de sustentabilidade, Ed Gillespie esteve na Vodafone Business Conference para chamar a atenção para uma verdade por vezes desconfortável: a tecnologia não é inerentemente boa nem má, mas também não é neutra. Ou seja, temos de ser conscientes das consequências não intencionais que podem advir dela e fazer uma aplicação mais eficaz e alinhada com os objetivos de sustentabilidade. O autor falou de um problema grande de desperdício de capacidades e do armazenamento excessivo de dados, que tem implicações graves ao nível do consumo de energia e aumento da pegada de carbono. Gillespie falou com o Dinheiro Vivo à margem da conferência e deu algumas pistas sobre como profissionais e empresas podem começar a alterar a sua mentalidade e forma de operar para se tornarem mais atentos e sustentáveis.
Creio que fizemos uma grande equipa, com uma mistura diversificada de perspetivas. Gostei do que a Ana [Casaca] disse sobre o desafio de fazer inovação acontecer numa instituição grande e complexa com mais de 100 anos.
E gostei muito do que a Jessica disse no final, que na Idade da Pedra fizemos um uso inteligente de ferramentas rudimentares, na Idade da Informação fazemos um uso rudimentar de ferramentas inteligentes, e na Idade da Regeneração vamos fazer um uso inteligente de ferramentas inteligentes. É o resumo. Temos as ferramentas, mas estamos a usá-las muito mal neste momento e temos de nos tornar mais inteligentes.
O problema é que estamos a agregar e recolher quantidades loucas de dados, porque nos tornámos melhores a gerar dados e o armazenamento tornou-se muito mais barato. Só que não gerimos os dados e toleramos um desperdício de 90%. Nunca olhamos para a maioria dos dados que recolhemos, mas isso tem um custo físico no mundo real e o consumo de energia nos centros usados para armazenar todos esses dados está a crescer exponencialmente.
Por isso temos de melhorar muito, em especial porque a intensidade energética de coisas como a Inteligência Artificial é muito mais elevada, tanto a eliminar dados como a reduzir a sua pegada de carbono. Neste momento, é suposto que todos os sectores estejam a descarbonizar e a cortar emissões. Mas o sector tecnológico está a crescer rapidamente tal como a pegada de organizações como a Google, cujas emissões subiram 48% nos últimos cinco anos por causa da IA, criptomoedas e centros de dados. O centro de dados regenerativo de que falou Jessica não está fora da possibilidade, mas vai obrigar-nos a fazer as coisas de forma diferente.
A nível pessoal, está na hora de fazer uma limpeza ao estilo Marie Kondo do nosso portefólio digital.
Será sempre um desafio duplo. Não tenho dúvida de que a IA será aplicada para nos ajudar a endereçar as emissões de carbono e provavelmente fará uma grande diferença.
Mas ao mesmo tempo, está a criar um problema por si só neste momento. Criar um equilíbrio depende de nós e das nossas escolhas conscientes sobre como usamos a tecnologia. Penso que tem havido pressa em implementar a IA em todo o lado, como se estivesse na moda, e há aplicações onde provavelmente não é necessária e fazemo-lo porque podemos, não porque tem um benefício direto.
A Jessica colocou isso da melhor forma no final: é uma mudança de mentalidade. Se estão a trabalhar em inovação numa tecnológica ou a trabalhar em parceria com a Vodafone, é tentar identificar as oportunidades que criam realmente benefícios sistémicos, e pensar de forma sistemática. Estamos tão presos ao curto prazo e à economia linear que o que precisamos de fazer é ser expansivos nisso. Na minha experiência, as ideias já existem mas tendem a ser desvalorizadas ou postas de lado porque não se encaixam nos modelos de negócio existentes. O nosso desafio é trazermos o entusiasmo e os tesouros enterrados à atenção os executivos e dos conselhos de administração para que essas coisas aconteçam.
Para mim, tecnologia sustentável é aquilo que nos serve. Saímos desta perspetiva muito antropocêntrica dos negócios e da tecnologia sustentável em que tudo gira à nossa volta. Penso que estamos agora no eco-centrismo em que começámos a reintegrar-nos na natureza. Mas onde precisamos de estar para termos um efeito regenerativo é que a tecnologia sustentável esteja ao serviço de tudo o que é vivo. Esse é um reposicionamento poderoso, o que significa que será aquilo que faz a diferença para as pessoas e as reconecta à saúde ecológica e social do planeta.
Ana Rita Guerra