Uma sociedade que prepara o futuro antes de ser surpreendida por ele estará mais bem posicionada para enfrentar os desafios que se avizinham. Estamos num ponto de inflexão no desenvolvimento de inteligência artificial e da sua aplicação a todos os aspetos da vida, começando por perguntar ao assistente virtual a que horas é a próxima reunião e terminando a pedir a um bot de conversação que reserve um serviço de táxi autónomo para mais tarde.
Numa altura em que as capacidades dos sistemas artificiais que estão a ser treinados aumentam de forma exponencial, há questões incontornáveis que têm de ser colocadas. Como garantir que os princípios humanos se sobrepõem sempre à matemática das máquinas? Como definir códigos éticos que governem a utilização destes sistemas artificiais? Como garantir que os algoritmos são treinados sem preconceitos? Como garantir que, desta vez, a revolução digital será para todos e não apenas para alguns?
As três oradoras principais da Vodafone Business Conference – A Caminho do Futuro, que está a ser organizada em parceria com o Global Media Group, vão tocar nestes pontos, mostrando visões distintas e que refletem desafios diferentes das sociedades onde se movem. Kriti Sharma cresceu na Índia e agora vive em Londres; Ayesha Khana nasceu no Paquistão e é agora CEO de uma empresa dedicada à inteligência artificial em Singapura; Ana Paiva é professora catedrática e uma das investigadoras mais proeminentes da comunidade científica portuguesa nesta área. As suas ideias contribuirão para a abertura de um novo debate sobre a IA junto da comunidade empresarial portuguesa, no ano em que está a ser preparada a estratégia nacional para a área: AI Portugal 2030.
Ética e sociedade
A mais jovem das oradoras é um prodígio da área da inteligência artificial, nomeada para a lista “30 com menos de 30” da revista Forbes em 2017. Nesse mesmo ano, Kriti Sharma foi escolhida pela Recode como umas das cem pessoas mais influentes na Tecnologia, Negócios e Media, continuando uma tendência de reconhecimento que começou em 2010 com a Google e passou pelo Financial Times, entre outras distinções.
Tecnologista nascida na Índia, Sharma usa vários chapéus nesta indústria, alguns com uma vertente mais técnica, outros de negócio e também humanitários. Construiu o seu primeiro robô aos 15 anos e aos 21 foi eleita fellow de ciência pelo centro de investigação avançada Jawaharlal Nehru.
No início da carreira profissional, destacou-se por várias inovações: criou a app de pagamento móvel Pingit em 2012, quando estava no banco Barclays, e foi depois chefiar uma equipa de cientistas de dados que usava aprendizagem de máquina para tornar mais inteligente e personalizada a interação dos clientes com serviços financeiros em África. Ao longo dos anos, foi mentora de várias startups e fintechs e em 2016 chegou à empresa de software empresarial Sage, onde é hoje vice-presidente de inteligência artificial e ética e na qual criou o primeiro bot de conversação para empresas, Pegg.
Paralelamente, Sharma tem trabalhado para usar IA numa vertente social e humanitária. Em novembro do ano passado, lançou um “companheiro digital” para as vítimas de violência doméstica na África do Sul, rAInbow, em parceria com a enteada de Nelson Mandela, Josina Machel. É também conselheira das Nações Unidas e recebeu uma distinção do Anita Borg Institute, Sisters Pass It on, pelo seu trabalho educativo junto de raparigas em Rajasthan.
Potencial humano
De Singapura vem a cofundadora e CEO da Addo AI, uma incubadora e empresa de soluções de inteligência artificial que foi considerada pela revista Forbes como uma das quatro companhias asiáticas que irão “transformar o mundo”. A mesma revista considerou Ayesha Khana uma das empreendedoras femininas mais inovadoras na região do Sudeste Asiático em 2018, solidificando a sua reputação neste campo.
O percurso de Khana até chegar aqui foi muito diversificado. Passou mais de uma década a trabalhar em Wall Street, no desenvolvimento de sistemas de grande escala em operações de corretoras, analítica e gestão de risco. Depois foi cofundadora do Hybrid Reality Institute, e diretora do Future Cities Group na London School of Economics; tem sido também conselheira na Singularity University.
Com uma miríade de papéis em simultâneo, a influência de Ayesha Khana em Singapura reflete-se na atividade como conselheira estratégica em IA, cidades inteligentes e fintech. Está no conselho de administração da agência governamental IMDA (Infocomm Media Development Authority), que foi criada para dar corpo à visão de “nação inteligente” do pequeno país asiático.
No âmbito educativo e humanitário, Khana fundou a organização sem fins lucrativos 21C Girls, que oferece aulas gratuitas de IA e programação às raparigas em Singapura.
IA para melhorar a sociedade
A investigadora portuguesa é um nome incontornável entre a comunidade científica nacional. É professora no Departamento de Engenharia Informática do Instituto Superior Técnico (IST) da Universidade de Lisboa e coordenadora do GAIPS (acrónimo de Grupo de Agentes Inteligentes e Personagens Sintéticas) do INESC-ID, agora denominado Grupo de Investigação em IA para as Pessoas e a Sociedade.
O grande foco de investigação da professora Ana Paiva está nos problemas e técnicas de criação de agentes sociais que possam simular comportamentos humanos, sendo transparentes e naturais até conseguirem dar a ilusão de vida. Tal exige que estes sistemas artificiais exibam capacidades específicas, tais como a expressão de emoções e personalidade, empatia e colaboração. Com uma extensa lista de trabalhos científicos publicados, a contribuição da investigadora portuguesa na área dos agentes sociais artificiais – eventualmente, uma “inteligência artificial humana” – é indelével.
Ana Rita Guerra, Los Angeles