Em nenhum salto evolutivo anterior fez sentido aplicar tecnologia só para seguir tendências, sem analisar de que forma ela teria impacto nas operações e que mudanças estruturais seriam necessárias. O que está a acontecer agora com a inteligência artificial, que deu um salto significativo nos últimos dois anos, é uma corrida à tecnologia rodeada de equívocos: muitos líderes empresariais e de TI estão confusos sobre o que a IA pode fazer pelos seus negócios e como incorporá-la nas estratégias de futuro.
Alexander Linden, vice presidente de pesquisa da consultora Gartner, caracteriza como “crucial” a necessidade de os responsáveis compreenderem como é que a inteligência artificial pode gerar valor para as suas empresas e onde residem os seus limites. Tal como outros avanços tecnológicos, a IA não deve ser considerada uma panaceia em cima de estruturas imutáveis. “As tecnologias de IA só podem entregar valor se fizerem parte da estratégia da organização e forem utilizadas da forma correcta”, sublinha Linden.
A consultora identificou os 5 mitos mais comuns que tem encontrado junto dos responsáveis das empresas e tem procurado desconstruí-los.
A inteligência artificial é uma disciplina da engenharia informática, e neste momento consiste em ferramentas de software que têm a missão de resolver problemas. Ou seja, é “irrealista” pensar que a IA tal como existe agora se assemelha à inteligência humana, mesmo que algumas formas de sistemas artificiais possam dar a impressão de serem “espertos.” Estes sistemas fazem o que o programador humano quiser que façam.
“Algumas formas de aprendizagem de máquina, uma categoria de IA, podem ter sido inspiradas pelo cérebro humano, mas não são um seu equivalente”, sublinha Linden.
“A tecnologia de reconhecimento de imagem, por exemplo, é mais precisa que a maioria dos humanos, mas não tem qualquer utilidade para resolver um problema de matemática.” A regra é que a IA resolve muito bem uma tarefa, mas se as condições dessa tarefa mudarem, mesmo que apenas um bocado, ela falha.
Qualquer sistema de IA requer intervenção humana, diz a Gartner. Um cientista de dados continua a ter de executar tarefas, dando contexto ao problema, preparando os dados, determinando quais os conjuntos de dados apropriados para treinar o sistema, removendo preconceitos e continuamente atualizando o software para permitir a integração de novo conhecimento e dados no próximo ciclo de aprendizagem.
Esta é uma das questões mais delicadas e importantes. Uma vez que a IA se baseia em dados e regras, é quase impossível que os sistemas artificiais sejam livres de preconceitos, uma vez que os humanos os carregam consigo. Alex Linden admite que não há hoje nenhuma forma de banir completamente os preconceitos dos sistemas, mas é obrigatório tentar reduzi-los ao mínimo. “Além de soluções tecnológicas, tais como conjuntos de dados diversos, também é crucial assegurar a diversidade das equipas que trabalham com a inteligência artificial, e levar os membros das equipas a reverem o trabalho uns dos outros”, diz o analista. Este processo pode reduzir de forma significativa os problemas dos algoritmos.
É verdade que muitos trabalhos (e mesmo empregos) vão desaparecer por via da automação e da aplicação de soluções inteligentes ao processo de decisão através de previsões e classificações. No entanto, não se trata apenas de substituição. Segundo a Gartner, a IA também irá “aumentar” as tarefas mais complexas dos humanos.
A consultora dá o exemplo da utilização de IA na imagiologia do segmento da saúde. Uma aplicação de raio-X baseada em inteligência artificial pode detetar doenças mais depressa que um radiologista. Nas indústrias financeira e de seguros, os conselheiros robóticos estão a ser usados para deteção de fraude – a portuguesa Feedzai é um exemplo disso – e para gestão de ativos. São capacidades que não eliminam o envolvimento humano, já que este continua a ser necessário especialmente nos casos poucos usuais. A Gartner aconselha os responsáveis das empresas a ajustarem os perfis dos empregos futuros e a darem opções de formação aos recursos humanos existentes.
O impacto da IA far-se-á sentir em todas as organizações e estas devem considerar o seu impacto potencial, aconselha a Gartner, dizendo que é apropriado começar a investigar como é que a tecnologia pode ser aplicada aos problemas de negócio da empresa. Não explorar a IA neste momento será como desistir da próxima fase da automação, com consequências nefastas ao nível da competitividade. “Mesmo que a estratégia atual seja ‘nenhuma IA’, isto deve ser uma decisão consciente baseada em pesquisa e consideração”, avisa Linder. O analista diz que tal decisão, quando negativa, deve ser revisitada regularmente e modificada de acordo com as necessidades da empresa. Porquê? “A IA poderá ser necessária mais cedo que o esperado.”
Ana Rita Guerra, Los Angeles