Enquanto o CEO da Unbabel, Vasco Pedro, está em Silicon Valley a negociar uma nova ronda de financiamento, a Talkdesk prepara o seu grande evento anual Opentalk em São Francisco, a DefinedCrowd tem os olhos postos na Ásia e a Feedzai acaba de anunciar mais um contrato nos Estados Unidos, com uma fintech que se prepara para fazer história. O que todas têm em comum é serem startups portuguesas que usam inteligência artificial de forma inovadora, terem toda a engenharia baseada em Portugal e estarem a assumir posições de destaque no mercado mundial.
“A área da inteligência artificial em Portugal é bastante boa”, afirma Ana Paiva, professora do Departamento de Engenharia Informática do Instituto Superior Técnico e coordenadora do GAIPS – (Grupo de Investigação em IA para as Pessoas e a Sociedade) do INESC-ID. “Nós, sendo um país pequeno, temos no entanto muitas capacidades e investigadores muito bons reconhecidos internacionalmente”, sublinha. A especialista, que vai falar sobre a utilização de inteligência artificial para benefício da sociedade na Vodafone Business Conference, a 8 de maio, reconhece que a pequena dimensão do país e do tecido empresarial traz algumas limitações, com poucos recursos de capital para a investigação e para as empresas. Mas frisa que o país já tem uma posição global interessante e esta poderá ser catalisada por decisões estratégicas.
“Portugal devia apostar alto e dizer assim: ‘nós queremos ser os melhores da Europa em IA’”, considera. “É muito difícil competir com a Inglaterra, a França e a Alemanha, mas se conseguíssemos criar um centro muito grande de inteligência artificial, que reunisse muitas pessoas e que trouxesse estrangeiros para Portugal, seria uma forma de cativarmos e criarmos empresas, fazer que a área aumentasse”, explica.
É precisamente isto que defende Paulo Novais, presidente da Associação Portuguesa para a Inteligência Artificial (APPIA) e professor do Departamento de Informática da Universidade do Minho. “Os portugueses têm demonstrado que sempre que foram audazes tiveram sucesso”, afirma. “É preciso perceber que Portugal, no contexto europeu, tem de apostar forte e pôr as cartas na mesa.” Segundo o responsável, é desejável que o país identifique as áreas estratégicas para as quais quererá desenvolver capacidades de inteligência artificial e vá “sem medo”. O investigador é um dos especialistas que está a contribuir para o desenho da estratégia nacional do governo para a inteligência artificial, AI Portugal 2030, e acredita que o país “tem competências” para se afirmar no panorama europeu.
Ana Paiva refere, aliás, que está a ser debatida na UE a criação de um centro europeu de inteligência artificial e que Portugal pode tentar atrair este projeto.
“Portugal tem muitas condições positivas para se tornar um hub de IA”, confirma Vasco Pedro, “não só porque já tem bastantes pessoas a trabalhar em inteligência artificial e um talento técnico muito grande mas também porque é um momento em que as pessoas sentem que mudar para Lisboa é uma coisa interessante”. A Unbabel, que neste momento já tem mais de duzentos trabalhadores, concentra a maioria em Portugal. “Em Lisboa há uma grande dinâmica, mas acho que está a acontecer no país todo”, refere o executivo. E explica porquê: “Há um grande à-vontade em falar inglês e as pessoas que vêm de fora não se sentem deslocalizadas”, sublinha. “É um país e uma cidade bastante seguros, um clima ótimo, qualidade de vida, com uma série de outros atributos, como estar alinhado com o horário de Londres.” O aumento dos voos diretos de Portugal para mais cidades dos Estados Unidos, com a TAP a inaugurar a rota Lisboa-São Francisco, também terá um papel importante.
Uma das vantagens referida por várias empresas é a capacidade de contratar pessoas qualificadas. “A competição por talento humano ao nosso nível é sempre grande, sobretudo porque competimos em inteligência artificial e engenharia com as melhores empresas do mundo”, indica Vasco Pedro. “Estamos a apanhar um momento em Lisboa que é fantástico: trazer pessoas para cá já não é tão difícil como há dez anos. Não há tanto talento como em São Francisco, mas também não há tanta competição.”
A DefinedCrowd alinha pela mesma ideia: continua a conseguir contratar talento em IA, local e estrangeiro. “Há muita gente que estava cá a estudar e ficou, muita gente que quis sair de onde estava para vir para Portugal porque Lisboa é um sítio incrível”, explica a diretora de comunicação, Catarina Peyroteo Salteiro.
As oportunidades abundam e a Fundação Gulbenkian tem, inclusive, um programa de bolsas para alunos de licenciatura e mestrado em IA. “São estes novos talentos que daqui a uns anos vão ser os futuros criadores de empresas na área da inteligência artificial e dos investigadores”, frisa Ana Paiva, considerando que Portugal “tem estado na vanguarda.” A professora procura também desmistificar alguns aspetos negativos que surgem associados à tecnologia. “Há que fomentar a inteligência artificial e não ter medo de apostar em IA”, afirma, “porque há mais benefícios do que receios que as pessoas têm.”
Ana Rita Guerra, Los Angeles