Não é de agora que se projetam visões das fábricas inteligentes do futuro, com sensores, assistentes robóticos e veículos de operação automatizada para melhorar a eficiência da produção e aumentar a produtividade dos trabalhadores humanos. O foco na Internet das Coisas Industrial (IIoT) vem crescendo ao longo dos últimos anos e não depende de uma rede móvel que está nos estágios incipientes de implementação. No entanto, o 5G é considerado um passo fundamental para a concretização plena da Indústria 4.0. Porquê?
De acordo com a 5G-ACIA, Alliance for Connected Industries and Automation (Aliança 5G para Indústrias Conectadas e Automação), um dos motivos é que a nova geração tem uma forte ênfase nas comunicações máquina-a-máquina e IoT, suportando ligações com fiabilidade sem precedentes e latências muito baixas. “Isto abre caminho para a próxima era da produção industrial, conhecida como Indústria 4.0, que pretende melhorar significativamente a flexibilidade, versatilidade, usabilidade e eficiências das futuras fábricas inteligentes”, estabelece o consórcio.
É o que explica também ao Dinheiro Vivo Nelson Ferreira, coordenador de indústria 4.0 da Bosch Termotecnologia, sublinhando que as novas características de baixa latência e qualidade de dados do 5G não eram possíveis de assegurar até agora. “Com estas novas características, será possível fazer novos usos da tecnologia, nomeadamente permitindo o uso alargado de AGV (Automated Guided Vehicles), monitorização de fluxo de materiais, ou mesmo automatização dos mesmos”, indica o responsável. Além disso, a rede possibilitará a “proliferação de uma nova geração de sensores sem fios que permitirão a utilização de Machine Learning e Inteligência Artificial aplicada a máquinas industriais”, o que vai otimizar a manutenção preditiva de equipamentos.
“Na prática, prevemos que o 5G será uma peça fundamental nos alicerces de uma nova indústria muito mais tecnológica, eficiente e competitiva”, salienta Nelson Ferreira.
Uma vez que a Indústria 4.0 integra a IoT e serviços relacionados em toda a cadeia de fornecimento, o 5G aparece como um catalisador de conectividade numa grande variedade de aplicações na indústria. “No longo prazo, pode mesmo levar à convergência das muitas tecnologias de comunicação que estão em uso hoje em dia, reduzindo significativamente o número de soluções de conectividade industrial relevantes”, projeta a 5G-ACIA. A Aliança acredita que o 5G tem grandes hipóteses de se tornar a tecnologia wireless standard na indústria. Isso levará a uma digitalização padronizada do chão de fábrica, acabando com a cablagem e tornando alterações e ajustes na produção muito mais flexíveis.
Pedro Santos, diretor do 5G Hub da Vodafone Portugal, explica que uma das características importantes neste contexto é a capacidade da nova rede de ligar muito mais dispositivos, naquilo que é designado de massive IoT. “É a massificação da Internet das Coisas, todos os serviços estarem ligados”, descreve. “Já existe IoT móvel mas o 5G permite ligar até um milhão de dispositivos por quilómetro quadrado e abre portas à imaginação. Qualquer dispositivo pode estar ligado.”
Várias empresas do sector industrial estão a avaliar investimentos nesta área. Por exemplo, a sueca Tetra Pak, que em janeiro anunciou uma parceria com a Hexagon para desenvolver uma plataforma de soluções inteligentes, “recorrerá ao 5G nas soluções aplicadas à indústria/engenharia industrial”, diz fonte da empresa. “A Tetra Pak tem, inclusivamente, trabalhado no desenvolvimento de produtos e soluções que otimizem processos com recurso às tecnologias mais recentes no mercado, além de propor planos de transformação digital aos seus clientes.”
Na Alemanha, a Bosch concebeu o projeto 5G Incubator focado no desenvolvimento de tecnologia e arquiteturas para uso da nova geração em ambiente industrial, e a subsidiária portuguesa tem um programa semelhante, o recentemente criado Warp5, que conta com parcerias da área académica e empresarial. “O objetivo deste projeto é desenvolver tecnologia nativa 5G para utilizações tão diversas como monitorização edge ou cloud de sistemas de alta cadência, geolocalização indoor e outdoor, controlo de qualidade em sistemas de vídeo 4K ou mesmo virtualização de sistemas de controlo”, adianta Nelson Ferreira.
Três divisões da subsidiária estão envolvidas neste projeto, Sistemas de Segurança, Termotecnologia e Car Multimedia. O responsável afirma mesmo que a Bosch em Portugal “está na linha da frente da investigação e aplicação da tecnologia IIoT em ambientes industriais” em resultado deste trabalho e parcerias.
Pedro Santos também sublinha a apetência do tecido industrial português, a par da saúde, para usar a próxima geração em múltiplos casos de uso inovadores. “Saúde e indústria são os dois verticais com maior potencial de serem transformados e de ganharem valor, tornarem-se mais eficientes e tirarem novas fontes de receitas alicerçados nestas características do 5G.”
Ana Rita Guerra, Los Angeles