A diretora do programa 5G da Vodafone Itália, Sabrina Baggioni, está a trabalhar com implementações no terreno em Milão desde o final de 2017 e partilha a extensa aprendizagem que foi feita neste processo. Durante a sua apresentação na Vodafone Business Conference, em Lisboa, a responsável frisou que o 5G não pode ser encarado como uma tecnologia incremental, que se liga e a partir daí muda os negócios e o quotidiano.
À margem do evento, Baggioni explicou como os projetos em curso na metrópole italiana foram desenhados de raiz e o que isso implica em termos de colaboração entre os fornecedores de serviço e as empresas. A diretora foi também clara na apresentação do cenário que existe atualmente, em que a cobertura ainda é limitada e há poucos dispositivos compatíveis. O que ela não quer, sublinhou, é que o 5G se torne numa buzzword despida de substância, mais uma tecnologia para vender às empresas. Interseção e colaboração serão fundamentais.
Dos projetos que a Vodafone Itália tem no terreno, há algum que se destaque na demonstração das potencialidades do 5G?
É difícil selecionar um entre 50. O impacto é totalmente transversal às indústrias. Se eu tivesse de escolher alguns que penso que terão um grande impacto na indústria, no sector em si, eu diria no sector da saúde e na mobilidade. Essas são as áreas em que o 5G vai revelar e completamente explorar para benefício no longo prazo, por causa das mudanças do ecossistema que têm de acontecer antes da implementação puramente técnica e o benefício ser entregue. Esses são os que vão mudar as nossas vidas todos os dias e vão melhorar a forma como temos acesso a conhecimento, médicos, acesso a segurança, pessoas e viagens, essas são as áreas onde penso que a maioria dos impactos sociais virão.
Outras das coisas que mencionei em termos de casos de utilização é a cirurgia remota que fizemos, foi no início de outubro, executámos uma cirurgia remota a 14 quilómetros de distância entre o cirurgião e as cordas vocais que foram operadas. Isso foi basicamente com latência zero, o que é algo que normalmente se pode fazer apenas se houver fibra a ligar os dois pontos. Agora podemos fazê-lo basicamente em qualquer sítio onde o médico está, com alguns robôs.
A outra área é a mobilidade. Juntamente com 200 clientes, temos sido capazes de experimentar nos nossos carros conectados por 5G o que significa travessias às cegas e receber alarmes que chegam mesmo que o condutor não veja nada ou o carro não esteja a fazer nada, porque o radar ainda não percebeu que algo está a acontecer, e o carro de repente trava se você não fizer nada, salvando a sua vida. Estes são dois exemplos claros do enorme impacto que o 5G terá.
Também mencionou a segurança e videovigilância. Como é que o 5G mudará estes segmentos?
O 5G mudará a forma mais habitual e distribuída de fazer videovigilância em localizações muito concorridas, que é normalmente feita por mosaicos. Isto é, um grande número de vídeos para os quais os operadores olham para serem capazes de compreender o evento e captá-lo quando acontece. Com 5G e o acesso no edge, onde quer que os operadores estejam, onde quer que as câmaras estejam, a capacidade que isso dá para receber alarmes do evento, o tipo de evento, os padrões imediatamente, então pode ir aprofundar e ver o que aconteceu em alta definição. Mas recebe o alarme ainda antes de conseguir captá-lo com os seus olhos. Isso torna a vigilância e o desencadear de intervenção no terreno muito mais rápidos e precisos.
É aí que entra sobretudo a baixa latência?
Baixa latência, edge computing, porque se põe a inteligência no edge e não é preciso ter um grande computador em cada local onde os operadores estão, e ainda largura de banda. Porque se as câmaras são super HD ou 4K e foram colocadas em vários locais, como fizemos na Estação Central de Milão, também há vídeo forense que permite obter muito mais detalhes quando é preciso ir à procura de coisas na imagem.
Como é que o envolvimento do governo italiano se diferenciou em relação a gerações anteriores?
Foi completamente diferente. Esta foi a primeira vez em que o governo decidiu, antes do leilão, dar aos operadores, com base em projetos e num concurso, acesso a espectro que estava reservado para o 5G no futuro, para se fazerem testes. Testes não apenas da tecnologia, como normalmente fazemos – porque costumamos testar a tecnologia por dez anos ou no mínimo cinco, antes de a lançar no mercado, e depois perguntamo-nos o que fazer com ela. O governo entendeu que o 5G era muito mais importante em termos de potencial para as vidas das pessoas e queria dar os 100 MHz aos melhores projetos que demonstrassem o melhor potencial em termos de casos de uso. Por isso abraçámos essa ideia e apresentámos um projeto de 370 páginas ao ministério, o que nos permitiu ganhar Milão e a sua área metropolitana, onde pudemos testar quase 50 casos transversais a todas as indústrias.
A cocriação é algo a que as empresas e os operadores não estão habituados, qual o principal conselho que pode dar a quem vai começar agora?
Uma das grandes conquistas no teste que fizemos foi que num mês e meio conseguimos atrair todos os 38 parceiros com quem estamos a trabalhar. De grandes multinacionais em sectores indústriais a entidades públicas, hospitais, centros de investigação – temos uma grande universidade, o Politécnico de Milão, como parceira estratégica – e os parceiros tecnológicos. A aprendizagem é que no primeiro dia começámos com uma folha em branco. Decidimos juntos como definir os casos de uso que tínhamos prometido ao ministério. Por exemplo, criámos a ambulância conectada por 5G, mas precisávamos de definir que problema clínico queríamos endereçar. Houve dois elementos que considerámos, a largura de banda e a baixa latência, e a pergunta que fizemos foi onde é que o tempo é tão importante que pode salvar vidas? Vamos testar a ambulância conectada nesse tipo de doenças e escolhemos o acidente vascular cerebral. Desenhámos tudo de raiz a pensar num episódio de AVC, cocriando passo a passo os processos, as ferramentas e definindo a que resultado queríamos chegar.
O que acontece se as empresas não têm uma pessoa com conhecimento de 5G que possa fazer esse trabalho de cocriação com os operadores e fornecedores?
Há outra palavra que uso muito, intersecção. Copenetração de competências. Há uma infeção de competências e habilidades que tem de acontecer. É muito provável que as empresas não tenham o know-how e precisem de se sentar à mesa com parceiros que o detenham. As habilidades e competências serão diferentes mas complementares na abordagem ao mesmo objetivo. Foi o que nos aconteceu. Nós éramos os especialistas tecnológicos mas não sabíamos muito sobre 5G porque ainda não tínhamos nada. Aprendemos muito e agora podemos sentar-nos à mesa com os clientes e explicar onde é que o 5G pode fazer a diferença.
Gostava que o 5G não se tornasse numa buzzword. Se não é útil, não o usem. Há outras tecnologias já existentes que podem entregar digitalização e transformação para amanhã. IoT, Narrowband IoT, LTE, já há muito que pode ser feito com estas tecnologias. O 5G será uma jornada e é preciso aplicá-lo onde for relevante, e só poderão fazê-lo se trouxerem as competências certas para a mesa.
Quando prevê que o 5G atinja o seu pico?
Penso que mais dois anos de jornada até que o tenhamos distribuído em massa. Os dispositivos ainda são limitados, este ano deveremos ter muito mais lá para o fim. A penetração em termos de cobertura ainda é um trabalho em progresso e precisamos de esperar pela próxima release técnica para obter o fatiamento da rede, que será absolutamente fundamental para certas aplicações críticas de negócio e outras funcionalidades.
Algumas empresas podem esperar e ir operando a sua transformação digital entretanto?
Sim. Penso que algumas empresas podem fazer disso um passo na jornada e começar agora. Há ecossistemas que precisam de mudar e preparar para o 5G, a saúde e a mobilidade são os maiores. Mas por outro lado, há outros sectores, como a indústria 4.0, a videovigilância, telemedicina, há aplicações que podem começar amanhã. Mas claro, negociando em termos de cobertura específica, se não estiver lá ainda pode-se começar algo de imediato e depois, enquanto se desenha um novo modelo, transitar para a nova tecnologia.
Ana Rita Guerra