“O objetivo é que um conjunto de sensores possa monitorizar uma viagem em que vão várias pessoas que não se conhecem, em car sharing”, explica ao Dinheiro Vivo o responsável de Engenharia da Bosch Car Multimedia, Miguel Santos. “Isso traz desafios, necessidades e oportunidades”, considera. “Por exemplo, há objetos que vão ficar esquecidos, o carro fica sujo e os serviços não vão querer ter pessoas a fazer esse tipo de controlo, então vamos ter que ter máquinas a fazê-lo.”
O Easy Ride estará virado para a comunicação entre veículos e para os serviços que vão surgir quando os carros se tornarem autónomos e a partilha de carros for mais comum, aproveitando as oportunidades que irão surgir nesta área.
Um dos sensores que vão monitorizar o que passa dentro do habitat dos carros do futuro é um sistema de deteção de objetos e comportamento, quer os veículos sejam autónomos ou tenham condutor. “Estamos a trabalhar no algoritmo de machine learning que vai fazer a deteção dos objetos e de outras situações, como por exemplo quando os passageiros se desentenderem por algum motivo, em situações de violência nós queremos que o sensor as identifique o mais rapidamente e com a maior precisão possível.”
Miguel Santos especifica que a técnica usada é deep learning e que há uma equipa de mais de 20 pessoas a trabalhar a 100% nesta área, que constitui uma nova aposta para a Bosch em Braga.
“A inteligência artificial é uma área relativamente nova para nós, em que começámos a trabalhar há ano e meio”, revela o responsável. Neste projeto da deteção dos objetos, os engenheiros estão a treinar o algoritmo “até que ele atinja um nível de confiabilidade aceitável” para ser colocado nos clientes. O nível de precisão tem de ser muito elevado, explica o responsável, para evitar que um sistema de alerta esteja constantemente a ser acionado com falsos positivos. O sensor será testado na Califórnia, onde a Bosch prepara um piloto de “robo-táxis” na baía de São Francisco.
“A parte do algoritmo, que é para mim core em todo este processo, por incrível que pareça está a ser desenvolvida em Braga”, sublinha Miguel Santos. “Nós conseguimos com estes projetos de inovação captar o interesse dos nossos stakeholders na Alemanha”, explica, algo que foi coadjuvado pelo facto de ainda ser possível contratar talento na área de machine learning em Portugal, ao contrário do que está a acontecer noutros países. O projeto de inovação também tem ajudado a reforçar a aposta das instituições académicas em IA. “Porque são as áreas de futuro, para o bem ou para o mal, queiramos ou não, e é por aqui que as coisas vão evoluir.”
A aprovação dos novos projetos de inovação com a Universidade do Minho dá continuidade a uma colaboração que começou em 2012 e se tem revelado frutuosa para os dois lados. Miguel Santos revela que a Bosch tem conseguido contratar profissionais qualificados mas avisa que a área de inteligência artificial está a crescer tanto que no futuro será bem mais difícil. “O que vejo é que daqui a alguns anos vamos precisar de centenas de pessoas a trabalhar nestas áreas”, afirma, referindo-se a estas unidades de negócio na Bosch. “As aplicações e as necessidades são tantas que claramente é uma aposta”, considera, afirmando que Portugal beneficiará de uma “estratégia para estar na linha da frente no que diz respeito às tecnologias do futuro.”
Apesar de elogiar o papel das universidades, que “acordaram e estão a seguir esta tendência”, Miguel Santos sublinha que é possível a um engenheiro com outro tipo de formação reconverter para a área da inteligência artificial. Além da formação específica em IA, interessam várias disciplinas na área de machine learning, visão por computador, integração de software e linguagens de programação.
“Temo que não tenhamos massa crítica suficiente para os desafios que vamos ter pela frente”, sugere Miguel Santos, mas ressalva que é possível para Portugal posicionar-se como um “hub” de conhecimento em IA tal como Braga o está a fazer, sendo necessária uma estratégia forte. “O machine learning em particular está a emergir e felizmente foi uma das coisas que nós conseguimos trazer para cá, é claramente core”, refere, sublinhando a importância de ter conseguido que o projeto ficasse em Braga.
A ideia de transformar Portugal num centro de conhecimento nesta área “seria muito interessante” considera Miguel Santos, garantindo que existem as capacidades necessárias e que esta é “uma aposta estratégica ganha à partida.” Prova disso é que “há vontade por parte do governo” e movimentações que vão nesse sentido.
“Não vejo outra alternativa”, resume. “Há outras áreas de tecnologia importantes, mas esta vai ser a que vai requerer mais recursos.” Miguel Santos lembra que a IA já está presente na nossa vida e é preferível dominar a área em vez de tentar ignorar ou olhar de lado. “Há muitos desafios que a inteligência artificial nos traz, desafios éticos de todo o tipo. Se nós dominarmos a matéria, se tivermos gente formada, vamos poder lidar com esses desafios da melhor forma possível”, afirma. “Eu vejo aqui uma oportunidade para o país.”