O advento da inteligência artificial vai eliminar milhões de empregos, mas tem potencial para criar mais: foi isto que concluiu a Gartner num relatório sobre o futuro do trabalho, olhando para 2020. A perspetiva da consultora é mais otimista que as projeções feitas pelo Fórum Económico Mundial, mas esta é uma questão que está longe de ser consensual e permeia todas as discussões em torno destas novas tecnologias.
“Indiscutivelmente, as máquinas já são melhores do que nós nalgumas coisas”, estabelece António Reis Silva, diretor de marketing da Vodafone Portugal. “A espécie humana tem uma inteligência geral, é capaz de aprender muitas coisas novas depressa. A IA não faz isto ainda e está muito longe de fazer”, sublinha. “Não obstante, se pegarmos em áreas muito específicas, o desempenho é bastante mais elevado que o das pessoas.” Ou seja, os sistemas que estão a ser desenvolvidos em áreas específicas têm capacidade para fazer melhor que qualquer humano, e isso levará à sua substituição.
“Isto tem um lado libertador das pessoas”, opina o responsável, referindo-se ao potencial da automação. “Para a sociedade, temos aqui uma enorme oportunidade de que as máquinas façam as tarefas repetitivas, aquilo que fazem melhor do que nós”, explicita. E dá o exemplo: mesmo o profissional de segurança mais atento pode distrair-se quando está a olhar para uma câmara; a máquina não se distrai, trabalha 24/7.
O que o responsável avisa é que será necessário debater e desenvolver regulação atualizada para acompanhar estas novas realidades, “com alterações nos sistemas de impostos e nos horários de trabalho.” António Reis Silva acredita que “poucas profissões estão protegidas” e por isso a adaptação terá de ser um esforço conjunto.
“Em regra, no longo prazo as coisas tendem a equilibrar-se”, afirma, olhando para outras transformações do passado. “Temos é que ter cuidado, enquanto nações, para garantir que este processo se faz como uma transição em equilíbrio.”
Esta é uma das questões que será abordada na Vodafone Business Conference – A Caminho do Futuro, que vai acontecer no Porto na próxima semana. O impacto da inteligência artificial nas empresas, no trabalho e no quotidiano já se começa a sentir, embora a sua real extensão seja difícil de antecipar.
O que António Reis Silva destaca é a necessidade de preparar as novas gerações e adaptar o ensino. “Aprender linguagens low-code hoje está quase ao nível de escrever em papel”, compara, considerando que será vantajoso para Portugal investir numa área que a McKinsey e a PwC antecipam poder adicionar 15 biliões de dólares à economia mundial. “Para um país que tem crescimentos pouco significativos, é muito importante prestar atenção a esta matéria”, indica o diretor de marketing.
A ação, no entanto, não pode ficar limitada à área académica, até porque as instituições de ensino superior em Portugal estão bem dotadas de recursos em IA. É preciso desenvolver o ecossistema e obter mais capital para investir.
Em termos de áreas, o executivo aponta para a importância do reconhecimento de voz e o processamento de linguagem natural e refere que a cibersegurança está a beneficiar muito das novas capacidades. “Quem está a fazer cibersegurança pode começar a travar o malware quase em tempo real. O tempo de reação a estas coisas tem baixado nos últimos anos, de mais de um dia para poucas horas”, frisa.
Embora se saiba que a IA vai chegar a todo o lado mais cedo ou mais tarde, os early adopters terão tendência a ser empresas maiores, “com mais capacidade de definir uma agenda para a inteligência artificial”, ou então “empresas que estejam relacionadas com tecnologias de informação, porque essas estão constantemente desafiadas.”
António Reis Silva reconhece também que “o marketing vai à frente do capital e da execução das empresas”, mas lembra que o machine learning começou a ser desenvolvido nos anos cinquenta do século passado e que o seu ressurgimento se deve a um conjunto de fatores técnicos. “As tecnologias, para acontecerem, exigem desenvolvimento em várias áreas”, explica. “O machine learning é sedento de dados para conseguir ser treinado e voltou a desenvolver-se muito a partir do momento em que começa a haver uma grande transação de dados em formato digital.” A aceleração está a ser alimentada, portanto, pela “existência de mais dados, big data e mais capacidade de computação, e ainda a disponibilidade destas ferramentas na cloud.”
Ana Rita Guerra, Los Angeles