Entre os múltiplos projetos que estão a ser conduzidos nos laboratórios da Bosch, em Braga, está um algoritmo que será usado para detetar objetos perdidos e comportamentos suspeitos nos carros do futuro. Com 3500 trabalhadores e duas divisões, a Car Multimedia e a Chassis Systems, a Bosch tem em Braga uma das suas maiores unidades mundiais, com vários projetos de inovação em curso. É um hub de investigação e desenvolvimento que há ano e meio passou a incluir tecnologias de inteligência artificial e já conquistou vários projetos de relevo para o futuro da indústria automóvel; uma evolução notável para uma localização que começou por fazer autorrádios.
Era isso que saía da fábrica da Blaupunkt desde os anos 1990. Em 2002, o engenheiro Miguel Santos fundou um departamento de desenvolvimento com uma equipa de seis engenheiros mecânicos. “Começámos a diversificar para outros tipos de produto e havia necessidade de criar algum know-how”, explica o especialista, hoje responsável de Engenharia da Bosch Car Multimedia.
A unidade foi crescendo lentamente e com isso surgiram incursões na área do hardware. No entanto, o mesmo não aconteceu para o software, porque a estratégia da Bosch era outra. “Na altura tentámos várias vezes mas não era possível, porque tipicamente o software era desenvolvido entre a Alemanha e a Índia”, conta Miguel Santos. O modelo era desenvolvido na Índia, algo comum entre as grandes empresas, com controlo a partir da Alemanha.
Foram precisos 13 anos para conseguir montar uma equipa de software com dez pessoas na Bosch de Braga, em 2015. A intenção era desenvolver novas gerações de um sensor acoplado ao volante e que já estava em produção. A liderança portuguesa demorou apenas três meses a montar uma equipa qualificada, incluindo profissionais doutorados, surpreendendo a administração. “Os nossos centros de decisão na Alemanha acordaram para a realidade de que Portugal também tem pessoas para desenvolver.”
Nos últimos quatro anos, as capacidades da Bosch em Braga evoluíram bastante, tornando esta unidade uma das mais relevantes para o grupo alemão. Entre mais de 300 engenheiros nos centros de desenvolvimento, há 18 doutorados e a procura por mais continua. “A área de software é a que cresce mais porque é onde há maior necessidade de encontrar recursos”, explica Miguel Santos. A sua equipa conseguiu quebrar o paradigma da Índia que estava instalado. E, ao contrário de outros centros de desenvolvimento importantes, como o de Budapeste, o de Braga nasceu “quase por geração espontânea” e à custa do esforço de uma mão-cheia de pioneiros.
“Não foi uma estratégia top down, teve muita gente a lutar e a querer para isto acontecer”, diz Miguel Santos. “Portugal tem profissionais de grande calibre”, completa, dizendo que a forma de pensar de antigamente, “que lá fora é que se faz”, já devia estar ultrapassada, porque os engenheiros portugueses são de uma qualidade “tão boa ou melhor” do que os de qualquer outro país. “Obviamente, os centros de decisão aperceberam-se de que tinham aqui matéria-prima e a aposta agora é franca, estruturada e ajudada por estes projetos de inovação que foram agora aprovados”, sublinha.
Os projetos de inovação (PI) a que se refere são esforços conjuntos entre a empresa e a Universidade do Minho, que dão às equipas o impulso necessário para continuar a atrair projetos de desenvolvimento relevantes na indústria. Além do algoritmo de deteção de objetos e comportamentos, que faz parte do PI Easy Ride, também é em Braga que está a ser desenvolvida a plataforma carro a carro V2X, e há um projeto relacionado com a fábrica do futuro e a indústria 4.0, com a aplicação de técnicas de machine learning para a predição de defeitos e de problemas nas unidades fabris.
O impacto do investimento em Braga é tão grande que estes projetos de inovação com a Universidade do Minho já vão na terceira fase e começa a haver concorrência. “Nós em Portugal temos um problema, que é o marketing. Nunca fomos bons nisso, não nos sabemos vender, mas temos pessoas excelentes.”
Se antes “praticamente não havia centros de engenharia nesta área” e por isso era mais fácil contratar, as coisas estão a mudar. “Agora, a Continental está a instalar-se e uma série de outras empresas acordaram”, nota Miguel Santos. “Se calhar, olharam para nós.”
Ana Rita Guerra, Los Angeles