Um estudo recente da PwC concluiu que o PIB mundial vai ser 14% mais elevado em 2030 graças à adoção de inteligência artificial, o equivalente a 14 biliões de euros. É com essa perspetiva no horizonte que a responsável pela área empresarial da Vodafone Portugal, Paula Carioca, fala da necessidade de debater e desmistificar as implicações da IA para as empresas e a sociedade. Esse será o objetivo da conferência “A Caminho do Futuro”, que levará ao Porto duas especialistas internacionais na área, Kriti Sharma e Ayesha Khanna e a investigadora portuguesa Ana Paiva, além da responsável da Vodafone Elvira González.
Por que motivo a Vodafone decidiu focar-se na inteligência artificial neste evento?
A IA é uma tendência tecnológica cada vez mais presente na vida das pessoas e das empresas. Segundo a comunidade científica, é a maior disrupção tecnológica do século XXI, com efeitos altamente transformadores para as pessoas e empresas que a adotam, mas também com efeitos económicos, sociais e cívicos significativos.
Segundo o Barómetro de Tendências Globais 2019 da Vodafone, as empresas estão otimistas em relação à inteligência artificial, mas têm dúvidas e receios.
A Vodafone quis trazer o debate sobre IA para a luz do dia, falando abertamente sobre as oportunidades e desafios que esta inovação traz. Não apenas tecnológicos, mas acima de tudo sociais e éticos.
O tecido empresarial português tem consciência das questões em torno da IA?
O tecido empresarial português não é diferente do internacional. É certo que o aparecimento de qualquer nova tecnologia ou inovação traz dúvidas e medos, porque as pessoas receiam o desconhecido. Em Portugal as empresas sabem que a inteligência artificial é inevitável, mas naturalmente que levantam questões. A própria comunidade científica levanta questões, razão pela qual a IA é debatida em todo o mundo. É também por essa razão que fazemos esta conferência.
Já existem algumas empresas a fazerem provas de conceito com IA, exemplos muito positivos e casos de sucesso. No portfólio de clientes Vodafone, temos vários exemplos, como a JLL, Heptasense e Petratex.
Existe escassez de competências ou Portugal tem os profissionais adequados?
Mais do que a inexistência de competências existe um ‘gap’ gigante entre uma elite, especialistas, técnicos, académicos, que sabe e compreende como a tecnologia de hoje funciona, para que serve, que partido podemos tirar dela; e a grande maioria das pessoas, onde se incluem as crianças e pessoas mais velhas, que não têm ‘skills’ nem conhecimentos para perceber o mundo altamente tecnológico em que vivemos.
Como é que isso se resolve?
É preciso criar condições para reduzir este ‘gap’, principalmente ao nível da educação. É preciso trabalhar no desenvolvimento das qualificações digitais, como vetor estratégico fundamental para a criação de emprego, competitividade da economia e desenvolvimento da sociedade.
A educação de hoje tem de preparar melhor os profissionais de sucesso deste futuro que está já ao virar da esquina. E deve ser impulsionado por todos os atores: Estado, empresas e ensino.
Que tipo de reforma defende?
Numa altura que está também identificado um ‘gap’ entre procura e oferta, sobretudo nos perfis STEM, a reforma da educação é um desafio e, simultaneamente, uma oportunidade para o país.
Preparar os jovens para empregos que ainda não existem tem sido o mote da Vodafone. Por essa razão temos vindo a trabalhar cada vez mais no sentido de dotar as gerações mais novas em ‘skills’ digitais. Temos ambição de formar até 2022 em Portugal três mil jovens com estas competências.
De que projetos estamos a falar?
Por exemplo, Girls in STEM, onde ensinamos programação a jovens raparigas do ensino secundário. A área da tecnologia não tem de ser exclusiva dos homens. Aliás, o nosso painel de oradores da Vodafone Business Conference prova o contrário, uma vez que é exclusivamente feminino.
Há também o Future Jobs Finder, plataforma que ajuda os jovens a encontrar o seu rumo profissional e a desenvolver as suas competências digitais, e vários programas de estágio e formação na Vodafone, desde o ensino secundário (‘job shadowing’), passando por estágios de verão (alunos ainda a frequentar a universidade) até programas de graduados de 2 anos (alunos com mestrado). Todos eles em áreas de forte componente tecnológica, como redes, tecnologia, big data, IoT.
Em que áreas há maior interesse?
A aplicabilidade da IA é transversal. Na verdade, estamos a falar de recolha de dados, transformação desses dados em informação e a informação em decisões de gestão, tudo de forma rápida e automatizada. Tudo isto com uma estrutura muito maior do que existia até hoje e a uma velocidade nunca antes vista. Destaco as áreas que me parecem mais críticas e que mais podem beneficiar desta revolução: saúde, gestão de cidades, indústria 4.0 e cibersegurança.
Que objetivos pretendem alcançar com a conferência?
Na Vodafone defendemos que a tecnologia é positiva e tem o potencial para mudar a vida das pessoas para melhor. A tecnologia continua a transformar quem somos, o quão bem e por quanto tempo vivemos, os empregos que temos, o modo como comunicamos e como nos relacionamos com os outros.
Ainda assim, sabemos que o “technofear’ existe. As pessoas temem o que desconhecem, e no caso da inteligência artificial mais ainda, por ser uma tendência que parece estar tão longe da realidade e daquilo que conhecemos.
Com esta conferência queremos desmistificar o tema. A IA já não é ficção científica, pelo contrário. Está a entrar no mundo real das organizações privadas e do sector público um pouco por todo o globo. Desde a saúde à indústria, passando pelos serviços financeiros, gestão urbana e segurança. Um estudo de 2017 realizado pela PwC calcula que o PIB mundial será 14% mais elevado em 2030 graças à adoção da IA, que contribuirá com mais 15,7 biliões de dólares para a economia global.
Em que consiste essa “desmistificação”?
Acreditamos que é preciso dotar as pessoas e as organizações com informação que os ajude a perceber esta tecnologia. E queremos fazê-lo através de quem sabe. Este é, aliás, outro dos nossos objetivos. Aproximar os portugueses dos maiores especialistas do mundo nesta área. Falo de oradoras de renome internacional, como Kriti Sharma, especialista em IA, e Ayesha Khanna, conselheira estratégica de empresas e governos em inteligência artificial, mas também da portuguesa Ana Paiva, professora universitária no Instituto Superior Técnico e investigadora em IA há 20 anos.
Que mensagens querem ver passadas?
Que a inteligência artificial não é ficção científica, é real e está ao alcance de qualquer empresa, independentemente da sua dimensão e sector. Que todas as tecnologias que surgem ao longo do tempo têm impacto na força de trabalho. Hoje, muitos dos empregos que existiam no tempo dos nossos avós estão extintos ou em vias de extinção (telefonista, ardina, tanoeiro). Ao mesmo tempo, hoje existem empregos que há 20 anos não existiam (programador, especialista em cloud, analista de machine learning, piloto de drones, especialista em cibersegurança). O mais importante é fazer coexistir os empregos existentes e os futuros, preparando-os para todas as mudanças que o progresso tecnológico vai trazer. A IA deve servir para tornar a vida mais justa e fácil para todos.
E como querem posicionar-se neste debate como empresa?
Como ‘enabler’ da transformação digital e como parceiro de confiança que ajuda as empresas a abraçarem as novas tecnologias.
Como estão a desenvolver e a aceder a estas tecnologias?
A Vodafone trabalha em cocriação com outros agentes económicos. Só em Portugal temos cinco centros de desenvolvimento nas mais diversas áreas: ANOC, monitorização de rede 24/7; Tv Hub, desenvolvimento da Tv do futuro; Centro desenvolvimento de soluções IoT, Cibersegurança e 5G Hub.
Além destes centros, a empresa é responsável por uma incubadora de startups, o Vodafone Power Lab, onde são desenvolvidas iniciativas que apelam à inovação e criação de ideias de negócio.
De que forma estão a usar IA dentro do vosso negócio?
A Vodafone já utiliza a IA dentro de portas em áreas variadas, como a otimização da rede móvel ou o suporte aos clientes. Destacamos um projeto na área de rede – SON (Self Organizing Network) – e outro na área de serviço ao cliente (Social Media Analysis).
Também estão a integrar IA na oferta disponível?
Ao nível da oferta, a Vodafone atua em três áreas críticas que suportam o desenvolvimento da inteligência artificial: os serviços de cibersegurança, para deteção e prevenção de ciberataques, a produção de relatórios de mobilidade urbana, como sejam os fluxos de turistas, pessoas, e a IoT, na medida em que além da recolha de dados em dispositivos ligados à internet, é fundamental a adição de valor a essa informação por via das ferramentas de Big Data, Data Analytics e inteligência artificial.
Paula Carioca dirige a área empresarial e é membro da comissão executiva da Vodafone Portugal desde o início do ano passado. Licenciada em Economia pela Universidade Católica de Lisboa, a responsável tem extensa experiência na área das telecomunicações, desde vários cargos na Zon e Portugal Telecom a CEO da Unitel T+ em Cabo Verde. O seu currículo inclui ainda diversas posições na Fujitsu e na ICL desde os anos noventa.
Ana Rita Guerra, Los Angeles