A ideia surgiu quando dois empreendedores, Ricardo Santos e Mauro Peixe, se conheceram na faculdade. Começaram a trabalhar em reconhecimento de gestos e evoluíram a tecnologia para criar uma plataforma de reconhecimento de comportamento humano. Depois, identificaram uma lacuna no mercado: queriam produzir sistemas de videovigilância eficazes mas não invasivos da privacidade das pessoas. Foi isso que esteve por detrás da criação da Heptasense, que tem aplicabilidade em áreas como prevenção de roubo e combate ao terrorismo através da análise de comportamentos em multidões.
O produto que a startup desenvolveu, Heptasense Crowd, é uma plataforma de software que deteta comportamentos suspeitos sem fazer reconhecimento facial e transforma câmaras de videovigilância convencionais em sistemas inteligentes.
“Somos contra o reconhecimento facial, e o facto é que os sistemas de videovigilância sempre tomaram muito esse caminho de espionagem, de invasão de privacidade”, explica ao Dinheiro Vivo o CEO da empresa, Ricardo Santos. “Nós queremos dar inteligência às câmaras aumentando a segurança mas eliminando os problemas de privacidade.”
A startup, que esteve incubada no Vodafone Power Lab, utiliza inteligência artificial de forma inovadora. O software liga-se às câmaras e faz análise de vídeo, detetando comportamentos suspeitos – por exemplo, esconder um produto na mochila ou nas meias dentro de uma loja e olhar constantemente para todos os lados. “O que fazemos é análise do movimento do corpo”, resume Ricardo Santos, explicando que a equipa utiliza deep learning, uma técnica de inteligência artificial, para treinar o seu algoritmo. Foi preciso desenvolver os modelos matemáticos e as simulações de forma a que o algoritmo conseguisse perceber o que constitui desvios da normalidade na vida real.
O que interessa, neste caso, é o comportamento que uma dada pessoa está a ter na hora, sem necessidade de a identificar. A tipologia de comportamentos a detetar é escolhida pelas empresas clientes, como lojas ou centros comerciais. “O software deteta esse comportamento, avisa o segurança na câmara certa e depois o julgamento é do próprio segurança. Ele é que vê o vídeo e toma a sua decisão”, indica Ricardo Santos. A Heptasense ajuda o profissional a não ter que olhar para tantas câmaras simultaneamente e a concentrar-se naquelas que têm alertas, tornando o seu trabalho mais fácil.
Esta é uma das várias aplicações do software, que também consegue extrair outro tipo de inteligência dos dados recolhidos. “Um retalhista, um shopping pode saber o percurso que as pessoas fazem no seu espaço sem fazer identificação das pessoas”, explica o CEO. Quais as zonas onde há maior densidade a certas horas, quantas pessoas estão num estabelecimento, que tipo de interações estão a ter. É um processo “completamente anónimo” que não permite fazer reconhecimento de quem é a pessoa. “A nossa inovação é que conseguimos fazer análise comportamental em vez de só análise de objetos, sem identificação das pessoas.”
Com cinco engenheiros que trabalham num escritório em Lisboa, a startup começou por conseguir contratos com clientes internacionais na Europa: primeiro a BMW, depois a Bayer e a Media Markt. Só em seguida assinaram com os primeiros clientes em Portugal, com a Brisa à cabeça e seguida da Ceetrus e da EDP. “Já temos uma rede interessante de clientes com dois anos no mercado”, frisa Ricardo Santos.
No caso da Brisa, a utilização da plataforma tem um objetivo completamente diferente. A empresa tem uma central de segurança e a ideia é detetar acidentes em tempo real, para evitar a formação de congestionamento. O software identifica um acidente, direciona os agentes para a câmara certa e estes podem tomar medidas para resolver a situação mais rapidamente.
Ainda sem ter levantado financiamento, algo que a startup está agora a negociar, a Heptasense tem conseguido parcerias relevantes para se posicionar melhor no mercado. Com a Vodafone, “o objetivo é encontrarmos uma forma de vendermos uma solução em conjunto.” Por exemplo, a operadora pode integrar a plataforma Heptasense num pacote que inclui soluções 5G.
A startup tem ainda parcerias com aceleradoras e com outras empresas, como a Cisco. No total, entre clientes e parceiros, a rede da Heptasense conta uma dúzia de nomes grandes do mercado, e a próxima paragem é a América. Segundo Ricardo Santos, a equipa está a trabalhar com parceiros para expandir o negócio para os Estados Unidos, sendo que a principal dificuldade é a distância. O responsável acredita que tem uma solução de inteligência artificial com características interessantes para o mercado norte-americano.
O processo de expansão vai levar a empresa a duplicar a equipa, que agora é composta só por engenheiros e abriu um processo de contratação em busca de perfis mais alargados. Ricardo Santos está otimista e lembra que a startup conseguiu já prémios e distinções que justificam esse otimismo, incluindo ter sido nomeada como uma das melhores startups da Europa pela Wired do Reino Unido e EU Startups da Bélgica.
Ana Rita Guerra, Los Angeles