Sair de uma loja com produtos no bolso sem passar pela caixa e ser atendido por um robô no restaurante são faces diferentes da mesma tendência. A aplicação de sistemas de inteligência artificial (IA) no retalho explodiu e está rapidamente a transformar um segmento ávido por disrupção, depois de anos de altos e baixos com a concorrência do comércio eletrónico. É aqui, segundo os últimos dados da consultora IDC, que se vão concentrar os gastos mais elevados do mercado de IA em 2019, num total de 5,22 mil milhões de euros, distribuídos por soluções como assistentes virtuais para serviço ao cliente, conselheiros digitais e recomendações de produto. E ao que se pode antecipar, este investimento é só o princípio.
“Grande parte das soluções de IA têm sido utilizadas ao nível do que chamamos a experiência do cliente”, confirma Gabriel Coimbra, vice presidente da IDC EMEA e country manager para Portugal, “Em termos de valor de mercado representa 13% do total de IA”, complementa, exemplificando com o grande crescimento da utilização de agentes virtuais, bots de conversação e outras aplicações viradas para a interface com os clientes.
No relatório semianual dedicado ao sector, publicado em março, a consultora indica que os gastos globais en inteligência artificial vão disparar 44% este ano, atingindo os 31,6 mil milhões de euros. Até 2022, a média de crescimento anual será de 38%, uma evolução muito significativa tendo em conta que o mercado global de soluções de gestão da informação deverá ficar-se pelos 12%.
“Gastos mundiais significativos em sistemas de inteligência artificial podem agora ser vistos em todas as indústrias, à medida que as iniciativas IA continuam a otimizar operações, transformar a experiência do cliente e a criar novos produtos e serviços”, explica a analista da IDC Marianne Daquila. “O avanço continuado de tecnologias relacionadas com IA levará a um crescimento a dois dígitos dos gastos anuais durante a próxima década”, resume.
Além do retalho, o outro segmento que irá investir mais em IA este ano é a banca, num total de 4,9 mil milhões de euros. Sistemas automatizados de prevenção de ameaças, análise de fraude e investigação são os principais focos da banca no que toca a tecnologias de IA, revela o estudo da IDC. Este parece ser um ano decisivo em várias frentes. Gabriel Coimbra frisa que o tema da inteligência artificial “já existe há muitos anos”, mas só nos últimos dois ou três anos é que começou a ganhar dimensão, devido à explosão de dados. Há dez ou vinte anos, explica, “havia pouca capacidade de processamento dos poucos dados que existiam.” Tudo isso mudou.
Os casos de utilização que vão receber maior investimento este ano são os agentes de apoio ao cliente automatizados (3,9 mil milhões), automação e recomendação de processos de vendas (2,3 mil milhões) e sistemas de prevenção de ameaças (2,3 mil milhões). Gabriel Coimbra refere que esta última área, sistemas de análise de ameaças e prevenção de ataques, já representa 8%. Outra área que ganhou uma dimensão significativa é a da manutenção preventiva, isto é, conseguir prever quando é que as máquinas vão precisar de manutenção e evitar que as máquinas parem. “Temos outras áreas que ainda não têm grande dimensão mas estão a crescer muito mais que a média: a área da automação inteligente de processos de negócio, o que chamamos de RPA, está a crescer acima dos 50% e a previsão é que cresça nos próximos anos acima dos 44%”, explica.
Embora os Estados Unidos sejam responsáveis por quase dois terços do investimento em 2019, a Europa Ocidental será a segunda maior região em termos de gastos em inteligência artificial, com a banca, retalho e manufatura à cabeça. Andrea Minonne, analista sénior da IDC no continente europeu, sublinha que a IA “está aqui para ficar.” Alguns exemplos de retalhistas europeus que estão a apostar forte em tecnologias IA são a Sephora. Asos e Zara, além de bancos como HSBC e NatWest. De acordo com o analista, estas empresas “já estão a registar os benefícios da IA, incluindo aumento das visitas às lojas, receitas mais elevadas, custos reduzidos e jornadas de clientes mais agradáveis e personalizadas.” De um modo geral, as empresas europeias passaram das fases de exploração e já deram luz verde à fase de implementação.
“A IA vai mudar o jogo num ambiente altamente competitivo, em especial nas indústrias viradas para os clientes como o retalho e o sector financeiro, onde a IA tem o poder de levar a experiência do cliente para o próximo nível com assistentes virtuais, recomendações de produtos e pesquisas visuais.” Gabriel Coimbra aponta que “Portugal segue a tendência.” A consultora tem visto a aplicação de IA em várias áreas no mercado português, desde soluções para gestão da experiência dos clientes até às áreas mais internas das organizações – que tem a ver com “apoiar os colaboradores nas suas rotinas e trabalho diário mas sobretudo automatizar os processos de negócio e o próprio sistema de informação.” Em termos de sistemas IA, o software representa a maior fatia do bolo de gastos em 2019, quase 12 mil milhões de euros investidos em aplicações e plataformas. As apps IA serão mesmo a categoria de crescimento mais rápido, acima de 47% ao ano. No que toca a hardware, os gastos serão de 11,2 mil milhões com maior incidência nos servidores, uma vez que as empresas precisam de solidificar as suas infraestruturas de TI para suportar os sistemas IA. “Embora as organizações continuem a ter desafios com recursos humanos, dados e outros problemas em torno de soluções IA”, indica o analista David Schubmehl, “também estão a perceber que estas podem ajudar a melhorar de forma significativa os resultados das empresas ao reduzir custos, melhorar as receitas e dar acesso mais rápido e eficaz a informação, melhorando o processo de tomada de decisões.”
Ana Rita Guerra, Los Angeles