É fundadora do Regenerative Technology Project em São Francisco, Califórnia, e conselheira senior de inovação no Intentional Futures. Jessica Groopman será uma das oradoras na 6ª edição da Vodafone Business Conference, que decorre no Porto na próxima semana, e tem uma forma de olhar diferente para a sustentabilidade. Acredita que é preciso perguntar o que estamos a tentar sustentar se o atual estado de coisas não é sustentável, e por isso teremos de passar à regeneração. A especialista participou no recente livro “The Fast Future Blur!” e diz que tudo isto requer uma mudança de mentalidade nas empresas.
Penso em tecnologia sustentável de forma diferente. Uso um termo diferente para ilustrar que podemos fazer melhor que tecnologia sustentável.
A tecnologia regenerativa olha para como podemos ir além do carbono zero ou de fazer menos mal, mas na verdade desenvolver as nossas ferramentas e serviço para melhorar as condições de vida na Terra para as gerações futuras. Não apenas para prejudicar menos o planeta hoje.
Não é apenas uma tecnologia, não é apenas fazer menos mal. É olhar para a tecnologia como uma ferramenta de criação de condições para fazer bem à sociedade, economia e ambiente.
Sim. O título da apresentação é “The Regenerative Edge”, que questiona porque não vamos mais longe que o carbono zero e que apenas sustentabilidade. Creio que uma grande pergunta que temos de fazer é o que é que estamos exatamente a tentar sustentar? Se os nossos modelos atuais são o que são, isso não é de todo sustentável.
A forma como a ecologia e o mundo natural funcionam é pela cura, restauração, regeneração de sistema vivos. Esse é o modelo sustentável. Se há um fogo numa floresta, o que retorna cria o solo, os nutrients, o substrato para uma nova floresta. Isso é sustentabilidade, não apenas plantar árvores no fim do incêndio; é criar condições para o regresso de mais vida.
Sim, e muitas mais. É importante olhar para a IA tanto pelo potencial de aplicações como para os seus riscos e problemas, e a forma como apresenta novos desafios. Mas a IA não é a única festa a acontecer. Quando penso em tecnologias, penso num ângulo alargado, tanto as tecnologias digitais de hoje, desde blockchain a impressão 3D como wearables, 5G e sensores da Internet das Coisas. Todas fazem parte do atual kit de ferramentas que temos, por isso todas podem ser implementadas ao serviço da criação de condições para uma vida mais saudável na Terra.
Todavia, devemos perguntar: porquê só o digital? Os humanos conseguem ter uma visão de grande angular da tecnologia. Há muitas soluções com baixo uso de tecnologia e que não necessitam de implementação digital.
Sem dúvida. Há uma tendência muito interessante a acontecer em torno da tecnologia sustentável e regenerativa, que tem sido o foco dos programas de sustentabilidade por vários anos.
O que está a começar a acontecer é que a função de estratégia e pensamento de longo prazo nas grandes organizações entende que a inovação já não é só digital. Também tem de incluir estes fatores para a saúde do negócio no longo prazo, e estes são fatores que historicamente foram externalizados. Coisas como a pegada de carbono ou a integração do processo de fabrico na estratégia de inovação, e como planeamos o modelo de negócio, as parcerias e o ecossistema para que estes fatores sejam algo que é bom para o negócio.
Há todo o tipo de novos modelos a surgirem em que a sustentabilidade faz parte dessa necessidade de colaboração e é ela própria inovação; não é apenas uma lista, uma auditoria, uma estratégia de mitigação de risco. É fundamentalmente uma inovação na estratégia de longo prazo do negócio.
Há uma questão de curto e de longo prazo. Se olharmos apenas para o impacto financeiro de curto prazo, esse é um incentivo que não é sustentável no longo prazo. É verdade que as empresas precisam de ter lucros e serem viáveis financeiramente. Mas em muitos casos, se continuarem a fazer o que estão a fazer, isso também não vai resultar.
Não é financeiramente viável no longo prazo ser altamente extrativo, destruir os recursos naturais de que o negócio depende ou de que os parceiros dependem. Podemos gerar mais receitas no longo prazo se melhorarmos os ecossistemas de que dependemos, se apoiarmos as comunidades e parcerias de que dependemos.
Todos os negócios dependem de uma grande rede de pessoas, de recursos naturais e do ambiente, de ar limpo, de clientes que conseguem ir às suas lojas. Isto requer um pensamento de longo prazo, para conseguir sustentar o negócio. Há incentivos de curto prazo, mas esses não vão durar se as práticas atuais não mudarem. Os incentivos de longo prazo requerem uma mudança das práticas e talvez do modelo de negócio, iniciativas e investimentos, mas há retornos financeiros também nesse caso.
Quando trabalho com líderes, há um conselho de administração, mercados financeiros, bolsa, obrigações trimestrais para com os acionistas. Há ali uma tensão. Mas as pessoas percebem, estão recetivas. Há todo o tipo de modelos a emergir.
Também há novos estudos que mostram que fazer a transição energética para reduzir o carbono é melhor para o PIB, mais lucrativo – o FMI tem previsões sobre isso. É mais dispendioso continuar a fazer o que estão a fazer ou não fazer nada que operar essa mudança.
Até mesmo a parte económica começa a alinhar-se com o que já entendemos de forma inerente.
Há muitas empresas que estão a conduzir transformações sistémicas. No segmento da tecnologia, vemos grandes empresas a olhar para a pegada dos centros de dados.
Algumas das gigantes tecnológicas tiveram de recuar nos seus compromissos climáticos por causa do impacto crescente da IA. Por isso, o que vemos são iniciativas em tornos da “nuvem” verde e TI sustentáveis. Vemos iniciativas para ver como os centros de dados suportam o ecossistema local. Há aqui muito trabalho interessante a acontecer, em que a causa de um aumento nas emissões está a impulsionar investimento e inovação para produzir soluções.
Em áreas como a têxtil ou das peles, indústrias que fazem parte da moda, o que estamos a ver são movimentos interessantes de construção de coligações.
Por exemplo, para desenhar uma cadeia de abastecimento mais circular de forma a que múltiplas empresas de peles, têxteis, nylon ou algo assim se juntem para fazer algo que não poderiam fazer sozinhas.
Um bom exemplo desta prática é que a maior fabricante de tapetes do mundo, Interface, está a unir o ecossistema envolvente, desde a retirada de nylon de mangais e localidades onde operam ao seu retorno à cadeia de abastecimento. Por causa disso, têm matéria em excesso e conseguem criar uma nova fonte de receitas partilhando esse nylon com outros fabricantes. Podemos olhar para a agricultura e alimentação. Há muitos exemplos.
É um livro fascinante e quem o ler vai embarcar numa grande tour de todas as grandes disrupções e impactos tecnológicos que estão a influenciar toda a gente, todos os negócios e a sociedade.
Somos um grupo de 12 autores, professores e investigadores que cobrem diferentes partes da tecnologia. Inclui áreas como fintech, blockchain, IA. O meu capítulo é sobre tecnologia regenerativa, especificamente um olhar sobre como podemos pegar nas grandes plataformas digitais das últimas décadas e pensá-las através de uma lente regenerativa. Como é que pegamos nestas grandes plataformas de comércio eletrónico, os grandes motores de busca, as grandes redes sociais, e pensamos em como esses modelos tecnológicos podem melhorar a saúde do ambiente, da sociedade e do contexto político? Temos 9 exemplo de empresas do mundo real que estão a criar resultados mais positivos usando tecnologias e mercados digitais, biotecnologia e tecnologia médica.
O capítulo foca-se particularmente em como as plataformas digitais permitem não apenas impactos globais, mas locais. Pegando em contexto local, vemos como permitem efeitos de rede que fazem escalar as plataformas para impactos positivos e como criam coordenação. Temos muitas empresas, comunidades e governos que precisam de trabalhar juntos, e por isso analisamos como usar tecnologia para coordenar e colaborar de forma mais eficaz.
Ana Rita Guerra