Formação, treino, manutenção, gestão da produção. É nestas áreas que a realidade estendida (XR), um conceito que abrange tecnologias imersivas como a realidade virtual e a realidade aumentada, está a registar os maiores avanços na indústria em Portugal. Apesar de o mercado português ainda estar atrasado em relação a outros países, onde a indústria 4.0 já está amadurecida, a evolução acelerou nos últimos anos. E o que aconteceu durante a pandemia de covid-19 contribuiu para isso, diz a especialista em Internet das Coisas (IoT) na Vodafone Portugal, Inês Oliveira.
“Mais do que nunca há a perceção de que é preciso haver um diagnóstico remoto e um acompanhamento remoto da produção. Isto mudou muito com a pandemia, em que nem sempre pudemos ter um gestor da produção a acompanhar a linha porque tinha de estar em casa ou havia apenas parte dos colaboradores na linha”, explica ao Dinheiro Vivo.
“A pandemia foi um grande motor de digitalização da indústria”, afirma. “E a curiosidade com o 5G também tem trazido estas questões para cima da mesa.” A especialista frisa que “a adoção é cada vez maior” e há uma maior sensibilização para as vantagens da XR. “Acredito que nos próximos cinco anos vai haver um boom na adoção deste tipo de soluções”, vaticina.
Além do impacto do 5G e dos efeitos da pandemia, o momento é propício à adoção de XR pelo amadurecimento das ferramentas. “A tecnologia também está a chegar a um preço que torna tudo isto muito mais viável”, acrescentou. “Há um somatório de características da tecnologia que faz com que seja a altura certa para se começar a adotar.”
Os sectores têm, naturalmente, níveis de maturidade muito diferentes. Nalguns a adoção é quase total e a realidade aumenta e virtual já estão em uso. Outros ainda estão na vertente da aquisição de dados e transformação em indicadores e informação em tempo real para a gestão. E alguns têm uma utilização quase inexistente.
“Num ambiente industrial, a utilização destas tecnologias já não é meramente futurista, é uma realidade”, indica Inês Oliveira. A formação virtual tem sido um dos grandes motores do uso de realidade virtual na indústria, porque permite uma experiência imersiva num ambiente real que reduz os riscos (principalmente quando se trata do manuseamento de equipamentos perigosos), evitar a paragem de equipamentos produtivos, e permite aumentar a taxa de retenção do conhecimento.
“Usar este tipo de tecnologias para o treino permite aumentar em 75% a taxa de retenção de conhecimento”, diz Inês Oliveira. “É aprender a fazer. Estamos a fazer em vez de estar numa sala a ver Power Points a passar.”
A utilização de XR no treino e formação é particularmente interessante num momento em que enfrentamos alguma escassez de recursos humanos, e a utilização de tecnologias inovadoras para a formação apoia na retenção e na manutenção deste tipo de talentos.
Isto está relacionado com outro dos pontos fortes, a manutenção preventiva e corretiva, que assumiu maior preponderância durante a pandemia porque poupa viagens aos técnicos.
“No contexto industrial, a realidade aumentada pode substituir quase todo o tipo de materiais, manuais e documentação técnica, que até hoje eram usados em suporte em papel”, salienta a responsável. Isto significa que a tecnologia imersiva mostra em tempo real e no contexto correto – em frente a uma máquina ou quadro elétrico – a informação respeitante àquele equipamento ou processo para que possa ser visualizada pelo técnico, aumentando de forma significativa a capacidade de resposta no terreno sem enganos.
Do ponto de vista da manutenção, a realidade aumentada pode ter várias vertentes. Podemos estar a ver em tempo real todos os sensores que estão a recolher informação daquela máquina ou podemos ter outras informações técnicas que são úteis para atividades de intervenção. Ter uma vista “explodida” de todos os componentes, como é que eles encaixam, o que é preciso desapertar para mudar uma correia, por exemplo. Também podemos ter o nível de indicadores, a saúde da máquina, e como é que vamos chegar a determinado ponto da máquina.
“No fundo, a realidade estendida permite eliminar a distância entre os técnicos de manutenção, que muitas vezes estão noutros países, permitindo o acesso a informação remota em tempo real e com a possibilidade de integração de várias pessoas da mesma equipa”, descreve Inês Oliveira.
Uma vertente importante, ligada aos aspetos anteriores, é a do apoio à gestão da produção. “Sem estar em frente à linha ou até naquela fábrica, o gestor responsável pelo controlo de qualidade pode acompanhar o estado da produção, ver em tempo real como é que um produto está a ser produzido ou montado, tirar dúvidas à equipa que está no chão de fábrica, ou até visualizar os indicadores de produção”, indica a responsável. “É sobrepor o ambiente virtual ao ambiente real com uma junção de informação que vem de sensores, de controlo de qualidade”, continua.
Não é que as pessoas sejam dispensáveis, pelo contrário. “A grande ferramenta que isto nos dá é a capacidade de tomada de decisão e de atuar. O cérebro humano tem de estar sempre presente”, frisa. A responsável considerou mesmo que, se estas tecnologias estivessem implementadas em larga escala quando aconteceu a pandemia, tinha sido mais fácil não pararmos algumas indústrias e termos continuado a produzir”, podendo mesmo evitar alguns lay-offs.
Oliveira disse que alguns sectores mais críticos, como o da farmacêutica, já estão mais à frente porque têm uma regulamentação mais apertada que os obriga a ter um controlo mais apertado da produção.
Quando se pensa num projeto de indústria 4.0, há múltiplas tecnologias a ter em conta – todas as que permitem a interligação da IoT, ou seja, tecnologias de informação com a tecnologia operacional, Inteligência Artificial, Machine Learning, automação, realidade estendida.
“O conceito de indústria 4.0 não é mais que colocar a tecnologia ao serviço da melhoria contínua”, sintetiza a responsável. “Tem como objetivo final a otimização de recursos, o aumento da produtividade, da qualidade, a redução do time to market, sem esquecer a melhoria das condições e do ambiente de segurança de trabalho.”
A aplicação destas tecnologias para melhorar a gestão da fábrica permite transformá-la numa gestão de tempo real em vez de ser a olhar para o retrovisor, o que se apoia na recolha maciça de informação. “Não há indústria 4.0 sem dados.”
Ana Rita Guerra