“Isto é incrível” diz Bernardo Maria, médico interno de cirurgia geral no Hospital de Santa Maria, ao manipular com os dedos a imagem holográfica do fígado de um paciente. Usando uns óculos de realidade mista HoloLens 2, da Microsoft, o médico consegue visualizar e interagir com imagens tridimensionais do fígado acompanhadas de informações relevantes, como a anatomia vascular e uma presença de uma lesão tumoral.
Desenvolvida pela empresa norueguesa HoloCare, esta aplicação é uma das que estão a ser usadas no Centro Tecnológico Reynaldo dos Santos da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. O projeto de Medicina Holográfica pretende melhorar o tratamento clínico dos doentes, com o objetivo de desenvolver uma plataforma médica de realidade mista de apoio ao planeamento cirúrgico. O potencial é enorme e é por isso que a saúde é uma das áreas em que a Microsoft está mais focada.
“Há projetos piloto que estão a ser desenvolvidos e testados”, diz ao Dinheiro Vivo Manuel Dias, National Technology Officer (NTO) da Microsoft Portugal. “Casos em que estão a usar os HoloLens para cirurgias assistidas e estão a ser feitos vários pilotos pelo mundo.” O responsável frisa que há ainda mais exemplos na área de formação de médicos, com particular aplicação nas cadeiras de anatomia. “Temos ’n’ exemplos onde isto é usado”, continua.
Além do protocolo assinado recentemente com a Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, a tecnológica também desenvolveu um projeto de HoloLens com a Fundação Champalimaud, em colaboração com a Microsoft Research em Cambridge.
“É um trabalho de mapeamento do cancro da mama”, explicou, “usando inteligência artificial para obter modelos 3D e renderizar nos HoloLens, de forma a conseguir vê-los em cima de uma paciente com o objetivo de saber exatamente onde está o tecido cancerígeno e poder fazer radioterapia completamente direcionada.”
Estes casos mostram o caráter disruptivo da aplicação de sistemas hológraficos na área da saúde, onde também há uma utilização cada vez maior de realidade virtual, sobretudo na formação.
A Microsoft distingue a sua tecnologia tanto de realidade virtual como de realidade aumentada e caracteriza-a como realidade mista, algo que combina características das outras soluções imersivas.
“Os HoloLens estão entre o fisico e o digital. O ‘figital’”, resume Manuel Dias. “Olhamos para a realidade mista como diferenciadora, porque permite-nos colocar o mundo físico com uma camada digital e ter os dois mundos em simultâneo”, descreve. No caso da realidade virtual, o utilizador vê apenas o mundo imerso, perdendo o contacto com o mundo físico.
“O conceito de ancoragem é muito interessante na realidade mista”, continua o responsável. “No fundo, é ter um referencial tridimensional onde consigo colocar os hologramas.”
Isto torna-se especialmente interessante quando os conteúdos são mostrados em contexto. “Posso estar a olhar para o motor de uma central e consigo colocar hologramas e informação em tempo real e interagir”, explica.
No mercado português desde outubro de 2020, os HoloLens 2 são a segunda versão dos óculos de realidade mista que a Microsoft apresentou originalmente ao mundo em 2016, capitalizando nas tecnologias imersivas que permitem estender os sentidos humanos sem os transportar para mundos diferentes.
Estes óculos, virados para as aplicações empresariais, são autónomos e sem fios e custam entre 3.899 e 5.129 euros, conforme a versão. Um custo que a Microsoft reconhece que continua a ser um ponto importante.
“Estamos a falar de hardware bastante sofisticado”, sublinha Manuel Dias. “Os HoloLens 2, na prática, são um computador, mais caros que um computador normal.” Em termos de características técnicas, os óculos correm o Windows 10 Holographic Edition e têm uma unidade de processamento holográfico para fazer o processamento e renderização de hologramas tridimensionais. Têm microfones 360º para recolher o som e ouvir, uma tecnologia que acompanha o movimento da retina e uma solução de reconhecimento de linguagem natural, para que seja possível interagir só com som. A bateria dura duas a três horas.
O responsável diz que se nota maior apetências das empresas para usarem realidade mista e aumentada. “Temos muitos clientes em áreas como universidades, saúde, manufatura, utilities. Vai haver muitos desenvolvimentos, estamos no início”, considerou.
Nos Estados Unidos, a empresa ganhou um contrato importante com o exército norte-americano para fornecer 120 mil óculos HoloLens especialmente desenhados para militares. A tecnológica tem também uma estratégia mais alargada virada para o metaverso, onde se incluem a plataforma de colaboração tridimensional Microsoft Mesh e aplicações de negócio XR, como a Remote Assist e a Guide.
Com cerca de uma dezena de pessoas a trabalhar nesta área, a Microsoft Portugal tem vários projetos em produção no terreno. Um deles foi desenvolvido com a EDP para auxiliar o serviço de assistência remota. Permite a técnicos que estão em Lisboa colaborarem com engenheiros no norte do país em tempo real em ações de manutenção. Usando HoloLens, os técnicos recebem instruções holográficas de onde devem aplicar determinada ação.
Outra parceria relevante é com a NOVA IMS, que está a desenvolver projetos para cidades inteligentes usando realidade aumentada, e há ainda projetos na área da indústria.
“O potencial é realmente bastante grande”, refere Manual Dias. “Quanto mais parceiros tivermos, mais importante será e mais massificado se tornará no mercado empresarial.”
Ana Rita Guerra