O carro que vai à frente está a 80 metros de distância e a velocidade máxima nesta zona é de 50 quilómetros por hora, indica o sistema de realidade aumentada que assenta sobre o para-brisas do novo carro elétrico da Audi, Q4 e-tron. Intitulado AR HUD, o sistema dá informações visuais relevantes ao condutor em tempo real, diretamente na sua linha de visão, usando animações coloridas que ajudam a navegar as estradas em segurança.
A novidade que a construtora alemã introduziu neste modelo de 2022 está alinhada com as maiores tendências de aplicação de tecnologias de realidade estendida, que engloba a realidade virtual e aumentada, às cidades inteligentes. De acordo com a pesquisa publicada em março pela Statista, o auxílio à navegação é identificado pelos especialistas da indústria como principal área de aplicação de tecnologias imersivas nas smart cities, liderando com 57%. Segue-se o planeamento urbano (44%), os semáforos inteligentes (44%), o estacionamento (43%), sistemas de gestão de edifícios (42%), serviços em situação de emergência (37%) e treino de polícias (16).
A vantagem de sobrepor informação relevante num smartphone, tablet – ou para-brisas – no contexto urbano é evidente para os residentes. O utilizador pode apontar o smartphone para uma rua e obter indicações visuais em realidade aumentada que lhe indicam o caminho até ao destino. Aplicações AR podem ser usadas para traduzir nomes de ruas, indicar o horário e menu de um restaurante ou apontar para um clube recreativo escondido na rua de trás.
Mas é nas infraestruturas das cidades inteligentes, as que são geridas pelas câmaras e empresas municipais, que a verdadeira diferença será sentida.
“As cidades inteligentes têm a questão da eficiência energética muito em cima da mesa, porque há custos de dissipação de energia e é um grande foco de atenção dos municípios”, explicou ao Dinheiro Vivo Marisa Gomes, responsável do Enterprise Solutions Demos Center da Vodafone Portugal. A operadora vai começar a disponibilizar em maio a demonstração de soluções empresariais através de realidade aumentada com recurso aos óculos HoloLens, incluindo gestão eficiente de águas, de energia e de luzes.
Por exemplo, um gestor municipal poderá ver a solução de gestão de águas no terreno e identificar uma rutura num sistema de rega. Ou então verificar que um edifício ainda tem as luzes acesas às dez da noite e é possível acionar remotamente os meios para resolver essa anomalia.
A inspeção e manutenção remota usando óculos de realidade aumentada é uma das maiores áreas em foco para as cidades inteligentes. “A grande dificuldade hoje em dia, principalmente em Portugal, é ter técnicos especializados”, salientou Marisa Gomes. Uma empresa como a EDP pode não conseguir ter técnicos suficientes para todas as ações que são necessárias no terreno.
“Muitas vezes atrasa as manutenções porque o especialista não está disponível, não consegue estar no Porto e ao mesmo tempo no Algarve”, indicou a responsável. “Com esta manutenção à distância, há alguém no terreno mas o especialista consegue visualizar o circuito através de realidade aumentada e ir dando as diretrizes, porque vê o que está a acontecer.”
Isso é particularmente apelativo em áreas que sofrem de escassez crónica de técnicos especializados, como o fornecimento de eletricidade, mas é aplicável a quase tudo o que constitui o ambiente urbano. A Vodafone tem algumas provas de conceito no terreno em parceria com a CapGemini Engineering, com clientes na área da indústria, aviação e municípios. “São sempre setores onde o expertise é escasso e para colmatar essa lacuna em Portugal estamos a atuar em antecipação.”
De uma forma mais abrangente, lembrou Marisa Gomes, muitos dos objetivos que constam do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) entregue por Portugal em Bruxelas enquadram a próxima era da digitalização, com os vários componentes que permitirão o desenvolvimento de smart cities – e as tecnologias de realidade estendida farão parte dessa evolução.
A firma de consultoria GlobalData indica mesmo que investir em cidades inteligentes é um imperativo pós-pandémico, num relatório publicado esta semana. A previsão da consultora é de que o investimento em smart cities vai atingir os 442 mil milhões de dólares em 2025.
Este ano, ainda no rescaldo dos problemas de infraestrutura causados pela pandemia, esse mercado deverá valer cerca de 300 mil milhões. “As infraestruturas que podem resolver estes problemas são sustentadas por Inteligência Artificial [IA], Internet das Coisas [IoT] e tecnologias de conectividade como o 5G”, indicou o analista da GlobalData, Rory Gopsill.
O especialista deu o exemplo da cidade norte-americana de Atlanta, que passou a usar os sensores IoT com IA embebida da Olea Edge para identificar contadores de água com problemas de funcionamento, o que permitiu poupar tanto água como dinheiro.
Outro exemplo foi o da plataforma de monitorização de doenças infecciosas BlueDot, que notificou a cidade de Chicago do surto inicial de covid-19 quatro dias antes da Organização Mundial de Saúde. E há também o exemplo de Sunderland, cidade que foi considerada ‘smart city’ do ano no Reino Unido em reconhecimento pelo seu uso de 5G e banda larga para diminuir o fosso digital.
“Os gémeos digitais vão ser outra ferramenta importante com que as cidades podem combater os seus desafios”, referiu Gopsill. “Gémeos digitais de infraestruturas de água, como adutores, podem melhorar a manutenção ao melhorar a deteção de falhas”, descreveu. “Gémeos digitais de cidades inteiras podem ser usados para a simulação e preparação para desastres como a disseminação de doenças infecciosas e eventos climáticos extremos.”
Ana Rita Guerra