Que tipo de trabalho faz na IBM e como influencia a sua visão da Inteligência Artificial e AIoT?
Ajudo os clientes a desenvolverem novas soluções digitais usando tecnologias emergentes. A minha especialidade é na tecnologia blockchain mas a minha opinião é que esta não se dá bem de forma isolada e tem um encaixe natural com outras tecnologias emergentes, como IA e IoT.
Na IBM, ajudo os clientes a perceber o valor de negócio destas tecnologias. Desenhamos e formamos conceitos sobre como estas tecnologias, em constelação, podem trazer eficiência a uma organização, criar experiências de cliente únicas ou beneficiar os negócios de outras formas.
Um novo relatório do IBM Institute for Business Value dedicado à IA refere que aplicar novas tecnologias a processos obsoletos não os melhora. Vê isso com frequência?
Sim, em especial se for uma tecnologia que está em voga. Há muitas vezes uma abordagem de colocar a tecnologia primeiro e procurar depois pelo problema que ela vai resolver. O blockchain caiu muito nessa armadilha. Houve muito ‘hype’ relativo ao blockchain, quase tanto como está a acontecer hoje com a IA Generativa.
Mas acho que o processo subjacente de construir soluções digitais deve ser o mesmo, independentemente de qual a tecnologia em causa. Haverá diferenças nas abordagens e pontos focais, mas as questões de qual o valor para o utilizador, qual o valor para a organização, quais são os casos de utilização primários, como vamos escalar de forma segura que faça sentido e esteja alinhada com a proposta de valor, recursos e capacidade de expandir – são questões quase genéricas, que se aplicam a diferentes tecnologias.
Mesmo que demore mais tempo, uma abordagem sensata compensa no longo prazo.
Não considera então que a IA seja uma tecnologia diferente do que vimos antes?
Sim, é, no sentido daquilo que traz. É fantástica e vai mudar o jogo. Mas a forma como se lida com novas tecnologias do ponto de vista das empresas, como construir uma nova estratégia e uma solução em torno dela, está padronizada. Há um caminho-padrão para fazer isso, independentemente de qual é a tecnologia.
Dito isto, é verdade que estamos num ponto de viragem e é um momento muito entusiasmante. Refiro-me às capacidades da IA generativa que estamos a observar. Creio que todos nós experimentámos, a um nível pessoal, o poder e as capacidades únicas da IA generativa. Não conheço ninguém que não tenha ficado impressionado com o que a tecnologia consegue fazer.
As empresas estão a passar pela mesma fase de fascínio. Por um lado compreendem quanta eficiência esta tecnologia pode trazer e quão para a frente pode empurrar a automação, mas aconselho sempre a um pouco de sensatez e levar a tecnologia passo a passo.
É também disso que falará na sua apresentação na Vodafone Business Conference? Quais os destaques da keynote?
Fascina-me a forma como diferentes tecnologias trabalham juntas e a questão de saber se a sua combinação nos ajuda a desbloquear mais valor do que conseguiríamos só com uma. Tenho ficado fascinada com a combinação de IA, IoT e blockchain. Acredito que a relação entre elas é bastante próxima e vou falar sobre isso na keynote. Vejo a IoT como uma tecnologia que impulsiona a geração e compilação de dados. Vejo a IA como uma tecnologia que nos ajuda a dar sentido a esses dados e convertê-los em soluções novas, ou até em produtos e serviços. E vejo o blockchain como a tecnologia que traz a infraestrutura que pode facilitar a partilha transparente e confiável desses dados, ao mesmo tempo que ajuda organizações e indivíduos a monetizá-los.
Vou dar exemplos de soluções, situações e desafios que podem ser resolvidos usando estas três tecnologias combinadas, e vou dar exemplos de plataformas prontas para o mercado que permitem construir novas economias digitais capitalizando nestas três tecnologias.
Como descreve o conceito de Inteligência Artificial das Coisas (AIoT) e de que forma as empresas podem embarcar nesta jornada?
Para mim não é uma coisa nova, mas estamos a aprender a dar o melhor uso possível a estas duas tecnologias combinadas. Mencionei que a IA, IoT e blockchain funcionam juntas e a AIoT é uma componente disso, uma espinha sólida desse ‘stack’ tecnológico.
A IoT dá-nos uma grande variedade de dados que vêm de diferentes fontes e sensores e a sua quantidade é tão vasta que precisamos de ferramentas de IA analítica avançadas para nos ajudar a dar sentido a estes dados. Ou seja, adicionar componentes analíticos e trazer novos insights, ao mesmo tempo que se convertem os dados em produtos, soluções e conselhos que podem ser usados pelos líderes para tomarem decisões mais bem informadas.
Estas tecnologias estão muito ligadas e o seu papel vai crescer mais ainda, vamos ver como a IoT poderá trabalhar com a IA generativa. Esta é uma área que está apenas a começar a expandir e é um campo muito entusiasmante de observar.
A manufatura e indústria 4.0 são as áreas em que acho que estas tecnologias vão encontrar aplicações mais rapidamente.
Caracterizaria então a AIoT como evolução e não como revolução?
Absolutamente. É uma evolução natural e muitas empresas estão a explorar estas tecnologias, talvez em separado por ora, mas muito em breve vamos ver a sua convergência. O valor que o blockchain adiciona é trazer mais transparência e permitir ver de forma confiável a fonte dos dados.
Esse é um dos desafios ou problemas que as pessoas têm na IA. Há muito pouca transparência em relação a que dados são ingeridos pelo modelo, como estes modelos são criados, como são tomadas as decisões por parte da IA. Creio que o blockchain pode melhorar essa transparência e oferecer uma infraestrutura para a partilha transparente desses dados entre diferentes ‘stakeholders’.
Referiu a indústria 4.0 e a manufatura, há outros segmentos que podem destacar-se nesta fase?
Telecomunicações. As telcos estão na linha da frente da inovação AIoT, mais avançadas que as outras indústrias, por isso são líderes naturais no teste destas tecnologias.
Estou muito envolvida nas indústrias de construção automóvel e mobilidade, outro espaço onde os dispositivos conectados desempenham papéis cada vez mais significativos. Há uma mudança forte para o software e para a procura da conectividade perfeita entre dispositivos e a extração de valor. É um espaço onde a AIoT e o blockchain podem ter um papel significativo.
Como avalia a proposta de regulação da IA da União Europeia, em comparação com outros mercados? As empresas europeias vão continuar a conseguir inovar?
Há sempre uma tensão entre a regulação e a inovação. Vemo-la em praticamente todas as tecnologias inovadoras. Mas no geral, penso que a regulação é uma coisa boa. Torna as empresas e as indústrias mais confiantes quanto à direção a seguir. Vejo a repercussão da falta de regulação no blockchain, algo que impede as empresas de entrarem totalmente nesse espaço porque há muitas áreas cinzentas.
Quanto mais clareza temos sobre como podemos usar esta tecnologia e quais são as regras de base, mais fácil será para as empresas entrarem neste espaço.
Dito isto, claro que haverá áreas cinzentas porque não podemos regular tudo e temos de criar espaço para a inovação.
A UE aprovou recentemente o AI Act, o primeiro passo em termos de legislação sobre o desenvolvimento e implementação de soluções IA. Há muita controvérsia sobre se é suficiente. É um bom começo, estou otimista de que vamos na direção certa.
O AI Act cobre duas áreas: uma é mais escrutínio sobre usos de IA que podem ameaçar a nossa segurança, como policiamento preditivo, reconhecimento facial em imagens de videovigilância, uso de IA para pontuação social.
A segunda área é trazer mais transparência aos modelos de fundação e IA generativa. Avisar os cidadãos quando estão a lidar com IA e não há um ser humano por detrás é um nível fundamental de transparência que deve existir.
A UE também está a tentar trazer mais escrutínio para os modelos de fundação, perceber de onde vêm os dados e ter algum controlo antes de eles entrarem no mercado.
Ainda não é legislação oficial e há muito que tem de ser adicionado para dar às empresas a segurança e confiança de que sabem o que estão a fazer.
Quais considera que são os grandes benefícios da IA nesta nova era de desenvolvimento?
O nível de automação que a IA consegue trazer é um enorme benefício, em especial da perspetiva de um negócio. É uma grande oportunidade de redução de custos. Do ponto de vista humano, automatizar tarefas mundanas e laboriosas para que as pessoas usem as suas capacidades de forma mais avançada é uma grande oportunidade e algo que entusiasma as empresas e os indivíduos.
Depois há o potencial da IA generativa para criar conteúdos totalmente novos, gerar insights de que nós não nos lembraríamos ou que levaríamos muito tempo a concluir. Vemos a IA generativa a fazer isso em segundos ou minutos e é muito poderoso. Ainda estamos a aprender como aproveitar essa capacidade.
E os pontos negativos?
Há a questão da ética e dos preconceitos, como sabemos que dados alimentam os modelos de IA. Não sabemos como chegam aos resultados, quais as fontes. Há problemas de direitos de autor relacionados com isso e vários processos legais a correr.
Também estamos agora a pensar no efeito que a IA terá no mercado laboral, no futuro do trabalho. Que competências serão necessárias no futuro se há potencial para externalizarmos muitas tarefas à IA?
Estas capacidades muito poderosas da IA desencadeiam incertezas sobre onde vamos parar.
Há alguma coisa que as empresas possam fazer agora para se preparem para esse futuro embebido em IA?
Em primeiro lugar, educação e aprendizagem. É preciso perceber como estas tecnologias funcionam e o que está em cima da mesa, os desafios e limites, construir centros de competência em várias indústrias, treinar os empregados. O conhecimento é muito importante e também ter uma estratégia de IA, que tem de estar ligada a uma estratégia de dados.
É preciso saber onde começar, como isto se encaixa naquilo que fazemos, e isso leva à necessidade de tomar decisões sobre tecnologia. Temos os recursos necessários, precisamos de parceiros de negócio, porquê estas tecnologias e não outras? Para fazer essas escolhas, temos de saber do que estamos a falar, daí a questão da educação e formação.
Não conheço nenhuma grande empresa que não esteja a olhar para isto e a tentar preparar-se. Há muito interesse e isso é uma coisa boa.
E olhando para um futuro mais longínquo, o que pensa da discussão sobre a Singularidade Tecnológica, descrita como o momento em que os humanos vão ser ultrapassados por máquinas de IA?
Sou um pouco mais pragmática. Esta discussão existe ao nível da teoria, filosofia, ciências sociais, mas eu sou mais de pés assentes na terra. Trabalho com empresas diariamente e vejo que lidam com muitos desafios, nalguns casos relativos à digitalização mais elementar. É bom falar disto porque traz para a ribalta a discussão sobre para onde vamos como Humanidade, e questões éticas e filosóficas que precisamos de discutir. Mas ainda estamos a anos-luz de qualquer tipo de Singularidade. Não há qualquer evidência tangível de que a Singularidade vai chegar no curto prazo.
Ana Rita Guerra