Uma das principais questões que rodeia a ascensão de tecnologias de Inteligência Artificial (IA) é o nível de eliminação de postos de trabalho que vai desencadear e como a sociedade se pode preparar para isso. Em agosto, um novo relatório do Pew Research Center apontou para a possibilidade de 20% dos postos de trabalho serem substituídos ou parcialmente automatizados por IA. Alguns meses antes, em pleno pico de entusiasmo relativo à IA generativa, o Goldman Sachs antecipou que a tecnologia pode substituir até 25% do trabalho feito atualmente, com cerca de dois terços dos empregos expostos a algum nível de automação.
Os dados são relevantes, mas os investigadores sublinham que esta é uma mudança com reflexos históricos. No passado, novas tecnologias eliminaram empregos e criaram outros. Estima-se que 60% dos trabalhadores de hoje têm empregos que não existiam em 1940.
“Todas as novas tecnologias automatizam postos de trabalho e criam outros novos”, confirma Benedict Evans, analista da indústria e um dos oradores da Vodafone Business Conference, que vai decorrer em Lisboa a 03 de outubro.
“Foi o que aconteceu com as impressoras, folhas de cálculo, bases de dados. Houve um momento em que ‘computador’ era o título de um posto de trabalho. Esses empregos desapareceram.”
Evans considera que a emergência de tecnologias de Inteligência Artificial, mesmo com desenvolvimento exponencial, não indica uma tendência fundamentalmente diferente.
“Há um processo contínuo em que velhos empregos são automatizados e novos são criados”, refere. “Há um argumento de que isto está a acontecer muito mais rapidamente, mas nem sequer tenho a certeza de que isso seja verdade.”
O analista, baseado em Londres, considera o alarmismo exagerado e sublinha que nenhuma grande empresa vai repentinamente substituir todo o seu gabinete de marketing ou contabilidade com o ChatGPT, o bot de conversação da OpenAI que marcou um ponto de inflexão neste mercado no final de 2022.
“É preciso entender que aquilo que isto gera quase nunca está pronto para produção. Precisa sempre de ser verificado”, alerta Evans. “Temos muita tecnologia que é impressionante mas não necessariamente útil. O desafio é a lacuna entre a capacidade da tecnologia e o produto.”
Aplicações da IA
Os avanços que se viram no último ano, em especial com IA generativa, estão a permitir pensar em automatização que antes não era possível. Onde é que isso se irá sentir primeiro? Benedict Evans considera que depende e é preciso questionar como podemos pensar de forma sistemática na sua utilidade e para que servirá nas empresas.
“Parte disso vai significar novas formas de desenhar produtos, novas formas de construir grandes sistemas industriais, novas formas de desenhar redes celulares e de otimizar, por exemplo, redes elétricas”, exemplifica o analista. “O que estas coisas fazem sempre é automatizar uma série de tarefas e depois criar novas tarefas e novos empregos. Estamos no início desse processo.”
Uma área onde a utilidade será imediatamente visível, considera, é na indústria de videojogos, em que o criador quer gerar 10 mil árvores ou ter personagens a dizer algo que parece orgânico.
Há também casos óbvios de utilização na indústria do entretenimento, diz Evans, na pós-produção de vídeo e áudio, em que se automatiza tarefas aborrecidas, no marketing e no software, com a geração de código.
“Há uma questão primária sobre quão boa a tecnologia vai tornar-se, conseguirá resolver classes de problemas que agora não consegue, terá capacidade de saber quando está errada”, ressalva o especialista.
É por causa desta incerteza que Evans desvaloriza as tentativas de regulamentar a Inteligência Artificial neste momento, a exemplo do que a União Europeia está a tentar fazer com o AI Act.
“Estamos a tentar perceber qual a utilidade disto e para onde vai evoluir, o que mais conseguirá fazer”, frisa. “Não sabemos ainda o que estamos a tentar regular.”
Mesmo olhando para o futuro, o analista diz não ser claro se estes sistemas vão atingir as capacidades que alguns na comunidade científica temem, como super inteligência e até autoconsciência.
“Há um grupo de pessoas na investigação de IA que receiam que isto leve a um tipo de superinteligência e represente um perigo existencial”, indica. “O desafio é que isto é tudo fundamentalmente incognoscível.”
O analista diz que não temos um modelo teorético do que é a inteligência humana, a inteligência em geral, nem de como exatamente os grandes modelos de linguagem produzem os resultados que produzem.
“Há pessoas que veem isto e acham aterrorizador não saber onde irá parar, e outras que perguntam como podemos preocupar-nos sem saber com que devemos estar preocupados”, afirma. “Eu estou nessa segunda categoria.”
Ainda assim, tal não significa que não haja problemas para resolver com a ascensão desta era de inovação.
“Qualquer nova tecnologia cria fricção e leva pessoas a perder empregos. Temos de pensar no que isso significa. Muda a forma como as coisas funcionam”, sublinha. “Vai ser complicado e vai colidir com a natureza humana.”
Ana Rita Guerra