Que ponto é importante discutir neste momento sobre a internet das coisas?
Um dos tópicos-chave é que tudo o que antes estava desconectado e não era inteligente nem digital está a tornar-se conectado. Tudo será inteligente. É uma tendência que vê em todo o lado, desde a música e os filmes aos carros, edifícios, elevadores, aviões. Por isso a expressão mais apropriada é “internet de tudo”.
Isto está a trazer grandes mudanças à sociedade, com alterações fundamentais no campo da eficiência e automação. É uma mudança muito positiva, mas, ao mesmo tempo, quando se conecta tudo, a quantidade de questões de segurança, controlo e efeitos colaterais sobe.
Agora as pessoas estão conectadas por causa dos seus smartphones,
o que significa que podemos monitorizá-las, ver onde estão, torna-se mais fácil vigiá-las. E quando conectarmos tudo, do carro ao relógio, aos fatos e roupas, a nossa exposição a potenciais problemas vai subir dez mil vezes.
Os donos da internet das coisas são aqueles que conseguem conectar todos os dados – o seu smartphone, histórico de condutor, seguro, compras. Dentro de dez anos vamos estar conectados milhares de vezes mais do que estamos hoje.
Tudo será inteligente. É uma tendência que se vê em todo o lado, desde a música e os filmes aos carros, edifícios, elevadores, aviões. Por isso a expressão mais apropriada é “internet de tudo.
Isso é difícil de imaginar.
Basicamente, talvez venha a ser possível fazer uma cópia digital de cada pessoa. Ter milhares de factos sobre si, de tal ordem que é possível prever o seu comportamento, fazer uma cópia, como em Black Mirror [série futurista da Netflix]. Por causa disso, temos de perceber que não podemos fazer isto da IoT de forma positiva até encontrarmos regras, regulamentos e responsabilidades sobre os dados. Pode gerar muito dinheiro mas também não ser bem pensada.
Considera que as questões de segurança e privacidade serão os grandes entraves à massificação da IoT?
Sim, é o que está a acontecer. Não é apenas privacidade e segurança, não se trata só de uma questão técnica; é política. É preciso ter um bom enquadramento de segurança, que defina quem é que pode aceder aos seus dados. Também é uma questão de humanidade. Por exemplo, devemos poder representar uma pessoa completamente em números? Se eu souber tudo sobre si, posso decidir que não a vou contratar para um emprego porque o computador diz que não, ou negar-lhe um empréstimo porque é vegetariana. São temas humanos. Se queremos ser humanos, temos de conseguir existir fora dos dados. Mas a tecnologia não quer deixar coisas penduradas, como os humanos fazem.
Talvez venha a ser possível fazer uma cópia digital de cada pessoa
Precisamos de uma coligação de abrangência mundial?
Neste momento temos os direitos humanos, e é certo que muitos não os respeitam, tal como a Turquia ou mesmo a América nalgumas questões, mas no futuro vamos precisar de direitos digitais. Serão equivalentes aos direitos humanos, porque toda a nossa vida vai tornar-se digital. Por exemplo, tenho de ter o direito de me desconectar, porque é um requisito humano. De não ser seguido, monitorizado, de não partilhar coisas, de ter mistério, descoberta, livre arbítrio. Quando se conecta tudo, há uma possibilidade de perdermos a liberdade porque também somos muito preguiçosos; estamos dispostos a desistir dela em troca de umas ferramentas extravagantes.
As relações amorosas constituem um exemplo perfeito de como desistimos do esforço. Usamos uma aplicação em que os dados encontram alguém por nós. Não é necessariamente mau. O que digo é que, se o fizermos em todos os momentos, torna-se mau. Porque, por vezes, é o esforço que torna os resultados dignos. Se não nos esforçarmos, não vamos ter os mesmos resultados. É uma coisa humana: se retirarmos 95% do esforço, só conseguimos uma pequena parte do resultado.
Corremos então o risco de estar rodeados por aparelhos que tentam falar connosco o tempo todo?
Há coisas que se forem automatizadas e as máquinas tomarem conta delas não faz mal nenhum, porque não são importantes para nós. Por exemplo, podemos viver sem conduzir, porque não é um requisito da existência humana. Se nunca mais conduzirmos não há grande perda. Temos é de pensar nas coisas que são fundamentalmente humanas: interagir com pessoas cara a cara é o que reduz a solidão e o isolamento. Quando nos ligamos via redes sociais, aumentamos o isolamento.
Há tanto dinheiro nisto, na conexão de pessoas e em tornar os sistemas inteligentes, poderosos e viciantes – esse é o modelo de negócio.
No futuro, vamos precisar de direitos digitais. Serão equivalentes aos direitos humanos, porque toda a nossa vida se vai tornar digital
Para muitas destas empresas é um novo fluxo de receitas absolutamente necessário.
O desafio é que se pode fazer muito dinheiro conectando pessoas e usando os seus dados para vender publicidade, mas não se faz dinheiro fornecendo felicidade – porque não é um produto. Estas empresas gostariam de poder vender humanidade, mas não podem. O negócio da Google não é vender formas de alegria.
A evolução da IoT tem ido ao encontro das suas previsões?
Sim, bastante. As limitações são bastantes óbvias agora. Estive recentemente no Uganda e na Índia, onde as limitações são a infraestrutura prática, e isso acontece em muitos sítios. Apenas um terço do mundo está conectado. Muitas pessoas não podem conectar-se e vivem as suas vidas fora de tudo isto, embora gostassem de poder aceder a informação e ferramentas de negócio.
A questão é que todas estas limitações vão desaparecer dentro de dez anos. Nessa altura, 80% do mundo estará conectado. Quando o custo do smartphone for baixo e a bateria durar duas semanas em vez de dois dias, não haverá barreiras à conectividade. Isso mudará tudo.
Podemos viver sem conduzir, porque não é um requisito da existência humana
Antevê então uma vida completamente diferente dentro de uma década?
De muitas formas, sim, dentro de cinco, sete, dez anos. É por isso que se fala da singularidade, a hipótese de as máquinas terem poder infinito está a dez, quinze anos de distância.
Onde é que está a ver as ideias mais inovadoras?
As ideias estão em todo o lado hoje em dia, os meios para as concretizar é que se mantêm nos mesmos locais – Silicon Valley, Nova Iorque, talvez agora também na China. Depois há nichos como Berlim e Nova Zelândia.
E o Dubai, que está a fazer tantas experiências?
Para fazer ideias funcionar não basta financiamento, é preciso a cultura. O Dubai faz todas essas coisas, mas não há contexto nas ideias. Um pouco como Singapura, qual exatamente é a cultura que estão a conectar? A cultura da mudança continua a estar nos Estados Unidos.
Interagir com pessoas cara a cara é o que reduz a solidão e o isolamento. Quando nos ligamos via redes sociais, aumentamos o isolamento
Que áreas são mais excitantes? Carros autónomos, táxis voadores?
O que considero realmente incrível são os avanços na medicina, que nos permitirão viver por mais anos e melhorar as nossas vidas rapidamente. Não tanto a edição de genes, mas tecnologia que previne doenças, como conseguir rastrear e prevenir a diabetes. O custo dos tratamentos de saúde vai descer.
Por outro lado, é claro, a questão dos transportes e da logística, estou muito entusiasmado com os avanços nos carros elétricos e autónomos. Penso em quinze a vinte anos veremos uma mudança total para energia 100% renovável, porque agora é possível – temos as baterias, os painéis solares, só precisamos da política. São recursos abundantes, que podem tornar a energia praticamente gratuita.
Dentro de cinco anos, quando as baterias dos carros durarem 1500 quilómetros, ninguém vai querer comprar um carro normal. Será possível comprar um carro elétrico semiautónomo por dez mil euros. Em muitas cidades nem será permitido conduzir carros a combustíveis fósseis.
A inteligência artificial tem um papel fundamental em tudo isto. Revê-se mais na posição cautelosa de Elon Musk e Stephen Hawking ou é um entusiasta de IA?
Concordo que precisamos de ter regulação e supervisão quando se trata de máquinas inteligentes no seu formato final. Não me parece que estejamos assim tão perto disso. Neste momento, as máquinas não são inteligentes como os humanos, nem por sombras. São essencialmente assistentes inteligentes. Costumo dizer que é AI – assistentes inteligentes – em vez de IA.
O mapa da Google, o e-mail que responde automaticamente, a Siri, Cortana ou Alexa, não representam inteligência. Estas máquinas só conseguem fazer algumas coisas.
O computador de um carro autónomo não conseguiria tomar conta de uma criança de 2 anos, ajudar a minha avó ou escolher um programa de televisão.
Há um equívoco em pensar na IA como sendo similar aos humanos, estamos tão longe disso. Todavia, existe a possibilidade de que a ciência crie coisas incríveis com machine learning e deep learning, e precisamos de um enquadramento regulatório em termos daquilo de que estamos à procura e quem o controla.
Não serão as máquinas a fazer estragos, mas pessoas más a usarem máquinas poderosas.
O seu último livro chama-se Tecnologia vs. Humanidade. Quais os motivos mais fortes para o ler?
O maior tópico que enfrentamos é como a tecnologia está a mudar o que os humanos são. A mensagem principal é que deve ser a humanidade em cima da tecnologia, não o contrário, tecnologia a limitar a humanidade, ou a removê-la de muitas formas.
Para isso, precisamos de definir as regras com que concordamos e tomar decisões políticas nesse sentido. O livro é sobre uma década no futuro, quando tudo à nossa volta for tecnologia. Como é que nos mantemos humanos? Por exemplo, em dez anos poderemos aumentar a nossa capacidade como trabalhadores via realidade aumentada ou virtual, e isso mudará as nossas vidas para sempre. Podemos acabar por viver num mundo que é completamente controlado por aparelhos eletrónicos. E isso é capaz de não ser uma boa ideia.
Pretende inspirar uma discussão que muitas pessoas não têm, porque usam tecnologia sem refletir muito nela?
Isso é porque a maioria da tecnologia não funciona bem. Se falar com a Siri ou Cortana, é quase risível, mas uma pessoa não vê o que aquilo é realmente: um cérebro alojado na cloud. Estas máquinas vão ser tão boas dentro de pouco tempo que não saberá se é a sua mulher ou marido a falar ou uma máquina.
A adição ao smartphone ou ao Instagram hoje pode parecer engraçada, mas se multiplicar isso por dez mil verá como poderemos transformar-nos em instrumentos destes aparelhos, em vez de eles serem as nossas ferramentas. Temos de arranjar um caminho sem nos perdermos completamente na tecnologia e esquecer-nos de nós próprios.
Há 14 anos que Gerd Leonhard viaja por todo o mundo a falar da sua visão para as próximas décadas, como um dos futuristas mais conceituados da atualidade. Autor de cinco livros, incluindo o recente Tecnologia vs. Humanidade, é CEO da The Futures Agency e apresentador do programa online The FutureShow.
A revista Wired distinguiu-o como um dos cem maiores influenciadores na Europa e o Wall Street Journal considerou-o um dos futuristas líderes no mundo.
A sua jornada começou, curiosamente, no mundo da música, como compositor, produtor e guitarrista. A transformação da indústria pela internet levou-o a tornar-se um empreendedor em série em Silicon Valley. Em 2005, foi coautor de um livro visionário: O Futuro da Música.