Trabalhamos com muitas marcas globais, em que olhamos para o futuro analisando a forma como a tecnologia está a ter impacto nos negócios e na sociedade. No último ano, foquei-me no impacto na humanidade, porque vemos agora muitas das desvantagens da tecnologia. Tenho uma visão positiva da tecnologia, pode fazer muitas coisas boas por nós. O problema é que a maioria destas tecnologias está concentrada nas mãos de um grupo de empresas, e isso é problemático. Estamos a olhar para soluções, num horizonte de 3 a 5 anos, e quais serão os efeitos destas tecnologias quando entrarem no mercado de massas. Temos uma rede alargada e global de futuristas, trocamos ideias. Perguntam-nos como é que conseguimos olhar para o futuro; é claro que não o podemos prever, mas usamos muita analítica, muitos dados, e também a forma como o futuro era olhado no passado, até que ponto se concretizou. Utilizamos todas estas informações para criar previsões bastante certeiras sobre o que vai acontecer.
É isso que faz na Human Works Design?
Sim, trazemos um design de negócios conscientes, porque acreditamos que muita tecnologia foi desenvolvida por empresas tecnológicas ou pessoas técnicas que não têm noção do que é realmente bom para as pessoas, ou qual o efeito de longo prazo. Criámos um método para que se tornem mais conscientes sobre o que estão a desenvolver, baseado em valores humanos. Fazemos exercícios do tipo, como é que uma pessoa correlaciona os seus valores pessoais com o trabalho que faz, como é que isso se relaciona com a sua equipa. Juntamos estas tecnologias e tendências para que todos possam refletir sobre como vão afetar os seus negócios. Falo de coisas como economia de partilha, economia de experiência, economia circular, e juntamos o elemento social: como é que vai ter impacto na sociedade? Isso oferece uma perspetiva mais profunda no longo prazo para os gestores se prepararem para o futuro.
Com um foco reforçado na ética?
A ética é cada vez mais importante. Há marcas a retirarem a sua publicidade do YouTube por causa de discurso de ódio em vídeos, há o movimento Me Too, a Pepsi-Cola teve de retirar um anúncio no ano passado. Mais e mais exemplos de como grandes empresas estão a ser afetadas por não prestarem atenção. É uma questão que não se vê levantada muitas vezes. Na verdade, esta é a grande tendência do futuro. Ética, interação humano-a-humano e como vamos interagir com as máquinas. O que criará a nível psicológico. Isto foi evitado pelas empresas no passado, porque o seu objetivo era apenas criar produtos e fazer lucros. Agora, vemos que o impacto da tecnologia é muito maior do que pensávamos inicialmente, está a afetar a sociedade, a desigualdade, a felicidade das pessoas. É por isso que precisamos de fazer um trabalho baseado em valores humanos, sobre para onde estamos a ir com estas tecnologias. Os líderes de amanhã serão aqueles a assumir a responsabilidade de ações sobre as pessoas, o planeta e os lucros. Não quer dizer que não acreditemos em fazer lucros, mas terá de ser de uma forma mais sustentada. Porque se o cliente não partilhar valores éticos com a empresa, deixará de comprar os seus produtos.
No caso do Facebook, que está a passar por uma crise por causa do impacto social e das notícias falsas, não são produtos que estão à venda. Como se lida com estes casos?
Há uma repercussão enorme e pessoas a deixarem o Facebook. Esse é o resultado. A questão no Facebook é que as pessoas são o produto. Quanto mais interagimos, mais publicidade eles conseguem vender. O papel da publicidade nestes meios tem de ser olhado de forma diferente, porque as pessoas quase nunca clicam nos anúncios e muitos deles não são eficazes. Eles dizem que os vemos, mas não lhes prestamos atenção. Há muitas lacunas nestas premissas e precisamos de as rever. Mesmo que a intenção seja boa, se o significado e o propósito não forem discutidos a um nível mais profundo este é o resultado que obtemos.O impacto do Facebook é bem maior porque basicamente é o maior país do mundo, conecta muita gente.
Uma vez tendo a tecnologia cá fora, será possível voltar a pôr o génio dentro da lâmpada?
Um dos grandes problemas com o Facebook é que sempre recusou assumir-se como empresa de média, dizia que era uma empresa de tecnologia. Essa é a repercussão que vemos agora: quando não se assume a responsabilidade por certas questões, elas tornam-se um grande problema. Não é fácil voltar atrás. E isso não apenas com o Facebook.
Depois de lançar inteligência artificial, carros autónomos, IoT, pode-se controlá-las?
É um dos problemas. Estas tecnologias estão nas mãos de um pequeno número de empresas globais e a política, que costumava ter um nível de regulação, tem cada vez menos influência. Vamos ter de encontrar um novo equilíbrio entre regulação e o que os cidadãos querem, a relação entre a empresa e o cliente, e garantir que se trata de um equilíbrio saudável. Verá que o desequilíbrio vai ser corrigido, falta é ver como, porque estamos numa economia global mas a regulação ainda é muito país a país. A União Europeia é a que tem as melhores linhas éticas do mundo. São os únicos que estão a tentar punir as grandes corporações, que criam muitos empregos na Europa mas quase não pagam impostos. Esse dinheiro poderia ser usado para construir estradas e escolas, e não está a ser injetado na sociedade. Esta desigualdade tem de ser corrigida, sob pena de as pessoas se desligarem da tecnologia. Já vemos isso entre pessoas que passaram 20 anos na tecnologia, early adopters que estão a afastar-se, a regressarem à natureza. Procuram mais serviços humanos. É um sinal prematuro do que vai acontecer ao resto da sociedade. Fala do poder das grandes empresas, mas muitas tecnologias disruptivas vêm de pequenas startups. Como se chega a elas? A nova geração pensa de forma diferente. Pensa em descentralização, em como regular e usar a tecnologia para criar um sistema mais igualitário. A tecnologia de hoje é o resultado de muitas startups – a Google era uma startup há vinte anos. A geração millennials não quer trabalhar para grandes corporações com as quais não se alinha eticamente. Há um movimento de jovens a criarem startups usando outros valores, para garantir que protegemos o planeta, que não criam apps viciantes.
Esta tendência terá um grande impacto no mercado de massas dentro de dois a três anos. É um reflexo também de ter mais mulheres empreendedoras?
Sim, há cada vez mais mulheres a criarem os seus negócios. É um movimento necessário, porque precisamos de mais energia feminina no mundo. As últimas décadas foram lideradas por velhas ideias patriarcais sobre como gerir negócios só para lucros, enquanto a energia feminina se preocupa mais com a sociedade, cuidar dos outros e do planeta.Também há muito mais capitais de risco que se focam em financiar empreendedoras.
Perante isto, o que pensa da inteligência artificial? É um perigo ou uma bênção?
Sou otimista, porque a IA pode aumentar muito a inovação e beneficiar a humanidade. Pense na área da saúde, automação, carros autónomos e elétricos, tudo isto contribuirá para um planeta menos poluído. Podemos usar IA para criar experiências de cliente mais personalizadas, também para gestão de frotas, gestão de stocks, criando edifícios mais inteligentes que consomem menos. Temos é de ter atenção ao facto de isto poder ser usado de forma negativa.
Quais são as desvantagens?
Precisamos de pôr este debate no domínio público e garantir que os cidadãos participam nele, não ter apenas empresas a imporem a sua agenda. Tenho esperança; há hoje um pensamento de ruína relativo a isto, mas não podemos esquecer-nos que criámos a bomba atómica no século XX e conseguimos regular isso a um nível global. Vamos fazê-lo também com a IA. O mesmo é válido para a segurança e privacidade, dois dos grandes receios? O problema da segurança existe desde que há computadores. O importante é que as empresas garantam a privacidade dos consumidores.
Como é que mantemos este tipo de contratos em que o consumidor consente a partilha dos seus dados?
Se não funcionar bem ou houver abusos, as pessoas vão desligar-se.
Olhando para a próxima década, o que vai mudar mais o nosso quotidiano?
A tecnologia vai ajudar-nos a criar um mundo melhor e mais organizado, com menos carros e poluição, mais espaço disponível para humanos nas cidades. Tudo o que precisarmos e quisermos poderá ser encomendado instantaneamente através do telemóvel ou dispositivo de voz. Teremos uma combinação de um mundo muito high-tech com um regresso a serviços mais humanos. Como humanos, teremos mais tempo livre, porque a automação vai tomar conta de mais tarefas. Isso dar-nos-á a oportunidade de passarmos mais tempo a fazer o que queremos. A aprendizagem contínua vai tornar-se padrão. Muitos empregos irão desaparecer e outros serão criados, mas do que ninguém fala é do que iremos fazer com todo esse tempo livre.
Será que trabalharemos menos dias?
Sim, talvez três dias por semana. Queremos criar uma sociedade que vai sentar-se no sofá, ou uma em que as pessoas aprendem continuamente e podem estar sempre a fazer coisas novas? Penso que essa parte vai tornar-se uma economia totalmente nova.
Onde vê as maiores inovações a acontecerem?
Há inovação em todo o lado, e esta nova geração pensa de forma diferente, porque para eles a tecnologia é um dado adquirido. Talvez em dez anos já não tenhamos telefones, falaremos com aparelhos. A combinação de IA e IoT é muito poderosa, porque podemos conectar tudo e retirar informações com as quais podemos criar experiências melhores. Em termos de inovação, há muita no mundo ocidental e na China, que antes copiava e agora começa a liderar, em especial no hardware, sensores, nanotecnologia. Também em Israel e até em África se veem muitas novas soluções a aparecer.