A IoT tem potencial para que as empresas conciliem o lucro com a ética, fundamental para a sociedade transparente do futuro.
Há precisamente dez anos, o filme de animação Wall-E previa um futuro em que a automação produziria seres humanos gordos, atarracados e preguiçosos, habituados a terem todos os seus desejos satisfeitos por máquinas sem terem de se mover um milímetro. Ainda não chegámos lá, mas há estatísticas alarmantes: nos Estados Unidos, quase 40% dos adultos e 19% dos jovens são obesos, um recorde absoluto atingido em 2017. Até quando as grandes empresas poderão continuar a alimentar assim os consumidores? Foi a pergunta feita por Rudy de Waele, futurista e estratega de inovação, na sua intervenção na Vodafone IoT Conference. “Vivemos numa sociedade viciante”, declarou. E pouco ou nada saudável; os londrinos respiram ar tóxico, as cidades estão reféns dos congestionamentos e do espaço que é preciso devotar ao estacionamento de carros, a Coca-Cola produz cem mil milhões de garrafas de plástico por ano, que demoram 450 anos a dissolver. “É preciso fazer alguma coisa”, disse, considerando que as coisas vão mudar porque as novas gerações encaram o futuro de forma diferente.
“Os millennials não querem possuir coisas, não querem trabalhar para grandes corporações.” Por causa deles e do advento da internet das coisas, o futuro será mais transparente. Muito do trabalho que Rudy de Waele faz com empresas de todo o mundo através da sua agência Human Works Design é direcioná-las para aquilo que chama uma nova era: a dos negócios conscientes. “As empresas têm de mostrar um compromisso de longo prazo”, avisou, referindo que 60% dos CEO são mais motivados pela ganância do que pela vontade de fazer alguma coisa boa pelo mundo. Mas a ganância, disse Waele, já não é uma coisa boa.
“Estamos a entrar na era da consciência”, declarou, avisando para a necessidade de pensarmos como sociedade no que estamos a fazer. O futurista acredita que vamos viver por mais tempo e o “mundo do ego” irá ser substituído pela cocriação e colaboração; que passaremos do controlo para a descentralização; que o dinheiro em numerário vai desaparecer e os consumidores passarão a ser também criadores. “O sistema educativo deixará de ser relevante para o que precisa de ser pensado.”
Impactos no retalho
Estas tendências serão cada vez mais visíveis no retalho porque as atitudes dos consumidores estão a mudar e a IoT permitirá fazer coisas antes impossíveis. “Tudo o que conhecíamos não vai funcionar no futuro”, disse De Waele. O futurista considera que a inteligência artificial é a tecnologia mais disruptiva neste momento, mas que a economia está desequilibrada. “Se copiarmos os sistemas em que estamos a viver, de ganância e competição, vamos ampliar esses problemas no mundo do futuro.” Uma das mudanças que terá maior impacto no retalho e no consumo é o “comércio conversacional”, em que a pessoa utiliza um assistente por voz digital para fazer compras. É o conceito por detrás dos muito bem-sucedidos altifalantes inteligentes Echo, da Amazon, a quem o consumidor pede que compre este ou aquele item dentro da retalhista online. “Isto vai afetar a indústria do retalho de forma tremenda”, prevê.
“Os publicitários estão a entrar nas vossas casas através de dispositivos diferentes e toda a gente estará exposta a isso.” No fundo, diz o especialista, “o retalho irá ter consigo a sua casa”. Como resultado, as pessoas vão sair cada vez menos e comprar cada vez mais usando este tipo de aparelhos. Isto é válido até para a comida, com os serviços de entrega rápidos, eficientes e maioritariamente feitos por drones. “É difícil imaginar um mundo cheio de drones a sobrevoar as nossas cabeças”, admitiu Rudy, mas o mesmo acontecia na era em que surgiram os carros, ninguém imaginava que haveria carros estacionados em todo o lado. Na Ikea dos Estados Unidos, estão a ser testados aparelhos de realidade aumentada para ver como as mobílias ficarão dentro das casas. São inovações que vão mudar a experiência do consumidor quando se desloca a uma loja.
Comércio sem empregados?
Tal como noutras áreas, a IoT irá provocar uma redução significativa do número de empregados que o retalho precisa para funcionar. “Neste tipo de ambientes já não vamos ver muitos trabalhadores”, prevê Rudy. Por exemplo, o novo robô Bossanova percorre os corredores das lojas a identificar que prateleiras precisam de mais stock, eliminando uma tarefa até aqui desempenhada por humanos. A startup Zume tem carrinhas com mais de 50 fogões cada que cozinham as pizas na hora enquanto circulam pelas estradas, funcionando com apenas uma mão-cheia de empregados.
Quando os retalhistas puramente online investem em instalações físicas, desenvolvem localizações totalmente digitalizadas e quase autónomas. A chinesa Alibaba abriu o Tao Cafe sem um único empregado e a Amazon já tem duas lojas sem caixas registadoras. Na China, a KFC introduziu a funcionalidade “pague com um sorriso”. Também está a ser usado o marketing de localização para determinar onde abrir lojas, usando informações sobre o tráfego pedestre das pessoas que aplicações como o Foursquare registam e vendem. Já dentro das lojas, tecnologias de posicionamento indoor permitem perceber quais os corredores que atraem mais pessoas e até que expositores fazem mais sucesso.
Ou seja, os retalhistas poderão saber cada vez mais sobre os hábitos e as preferências dos seus clientes apenas monitorizando os seus comportamentos sem terem de fazer uma única pergunta. Enquanto os empregados do retalho que permanecerem terão de aprender sobre as tecnologias, as empresas terão de definir novos cargos e responsabilidades. A mensagem de Rudy é de que devemos “basear a tecnologia em valores humanos”, algo que terá um impacto profundo no retalho, porque os consumidores ligam as suas compras a valores éticos. “A jornada do cliente já não é linear”, disse o futurista. “Você pode perder o cliente em qualquer estágio da mesma.”
Ana Rita Guerra