Três anos depois do Amazon Echo e mais de um ano depois do Google Home, a Apple vai chegar ao mercado dos altifalantes inteligentes dentro de duas semanas. O HomePod irá custar 349 dólares, um valor muito superior aos dispositivos da concorrência, e chega com dois meses de atraso: devia ter ido para as lojas em dezembro. A Apple adiou o lançamento, perdendo a euforia das compras natalícias, devido a melhorias técnicas que disse ser necessário fazer.
A ausência desta competidora de peso também se fez sentir na feira tecnológica CES, em Las Vegas, onde a Apple nunca participa diretamente mas há sempre inúmeras fabricantes a mostrarem acessórios e integrações com produtos da maçã. A edição deste ano centrou-se em duas áreas que são o core destes smart speakers: inteligência artificial e internet das coisas.
O consumidor interage com os dispositivos através de comandos de voz, que as fabricantes querem que se pareçam mais e mais com conversas. Esse reconhecimento de linguagem natural alia-se à inteligência e aprendizagem de máquina que estão embebidas nas assistentes virtuais de cada um – Alexa no caso do Echo, Assistant no caso do Google Home, Siri no caso do HomePod. Durante o evento CES, foi notório o domínio da Alexa, que é a assistente preferida de terceiros para integrarem nos seus aparelhos IoT. Foi comum ver empresas a mostrarem frigoríficos, televisões, campainhas inteligentes, fornos, microondas e até máquinas de lavar com Alexa integrada.
“Neste momento grande parte [das fabricantes] está a trabalhar com a Amazon, bem mais que com a Google”, confirma ao Dinheiro Vivo Francisco Jerónimo, diretor europeu de pesquisa da IDC. “O Echo tem 70% de quota de mercado nos Estados Unidos e eles estão a expandir para mais países, coisa que nem a Google ainda lançou.”
No entanto, o investimento da Google na feira em Las Vegas foi muito visível – com proporções inéditas para a empresa – e várias fabricantes simplesmente optaram por tornar os seus eletrodomésticos conectados compatíveis com ambos, como é o caso dos dispositivos ThinQ da LG.
Esta guerra entre a Amazon e a Google pelo domínio nos altifalantes e assistentes virtuais está a pressionar os preços: o Echo baixou para 99,99 dólares e o Echo Dot, uma versão mais pequena, custa 49,99 dólares. É precisamente o mesmo preço do Google Home Mini, uma versão mais compacta do Home original, que custa 129 dólares.
Mesmo quando se olha para as versões premium do Amazon Echo, entre as quais a edição especial Plus que inclui a lâmpada inteligente Hue Bulb da Philips, o preço é de 149,99 dólares. O Echo Spot, com ecrã, vende-se por 129,99; e o Echo Show, uma espécie de tablet para mostrar videos, listas e outras utilidades, custa 229,99 dólares. Todas as opções têm preços mais razoáveis que o HomePod, cujas pré-reservas começam hoje na Apple Store. “Acho que é fundamental que o lancem, mas têm que se diferenciar. Caso contrário, vai ser difícil cobrar quase o dobro porque a Amazon está-se a posicionar muito bem nesse espaço, mesmo para fãs da Apple”, resume Francisco Jerónimo.
Desde que anunciou o HomePod, em setembro de 2017, a Apple insistiu na sua qualidade de reprodução do som como grande diferenciador, incluindo a capacidade de se adaptar ao tamanho e disposição de cada divisão da casa. Esta foi, na verdade, a génese do aparelho: os engenheiros de som da Apple trabalhavam num altifalante há dois anos quando, em 2014, a Amazon os apanhou na curva ao lançar o Echo. Um aparelho de reprodução de som de alta qualidade era o foco da fabricante do iPhone, mas o tempo que demorou a completar o HomePod ditou a sua chegada a um mercado completamente diferente – dominado pela Amazon e com a Google no seu encalce.
Francisco Jerónimo suspeita que o atraso no lançamento se deveu menos a questões técnicas e mais a questões de diferenciação, visto que todos os outros aparelhos Apple já têm Siri e um dispositivo que apenas responde a perguntas não tem grande utilidade.
A atratividade destes aparelhos é poderem conectar-se a outros dispositivos domésticos e transformarem-se num centro de controlo da casa inteligente. Pedir para desligar as luzes, subir a temperatura da sala ou iniciar o ciclo de lavagem são vantagens de uma rede IoT doméstica controlada por voz com um destes aparelhos.
“Por outro lado”, afirma Francisco Jerónimo, “há estudos que indicam que quem tem um smart speaker está a usar menos o telefone em casa, o que coloca um grave problema a qualquer fabricante, principalmente à Apple.”
O analista acrescenta outra tendência curiosa: enquanto um iPhone ou um Apple Watch é algo que as pessoas trazem consigo a toda a hora, um altifalante está em casa e ninguém o vê. “Não é uma questão de mostrar aquilo que se tem, mas do que funciona melhor”, salienta. “Isso é algo que a Apple tem que trabalhar para tentar ter uma proposta de valor.” O HomePod ligado à Apple TV, por exemplo, seria uma mais-valia. “É nesse sentido que acredito que estejam a trabalhar e daí adiarem o produto, porque provavelmente vão trazer uma solução muito mais integrada, com uma série de dispositivos, do que só Siri num smart speaker.”
Para isso, é preciso que os dispositivos inteligentes que os consumidores têm sejam compatíveis com HomeKit, a interface aplicacional que a empresa lançou em 2014 para ligar os objetos da então incipiente Internet das Coisas. A Apple chega tarde ao jogo e o mercado pergunta se que a marca terá peso suficiente para dificultar a vida de quem vai na frente.