Lisboa 03/10/2023 - Vodafone Business Conference 2023 - Entrevista a Agata Slater, consultora de transformação do negócio (Rita Chantre / Global Imagens)
Há quase dez anos, um relatório do IBM Institute for Business Value fez uma análise das características e quantificou o conceito de Economia das Coisas, projetando-o como o objetivo final de negócio da Internet das Coisas. Se a IoT era a digitalização do mundo físico, a Economia das Coisas seria a “liquidificação” do mundo físico, no sentido de remover os constrangimentos físicos e a obstrução da informação de certas indústrias e tornar os seus mercados mais maleáveis.
Na altura, a tecnologia ainda não estava no ponto certo; isso mudou radicalmente nos últimos anos. Agora, argumenta a consultora de transformação de negócio da IBM, Agata Slater, a complexidade técnica foi resolvida. O que é preciso é solucionar a hesitação das empresas na criação de um ecossistema maciço em que os dispositivos conectados efetuam transações comerciais entre si sem intervenção humana e com uma partilha significativa de dados, sem que isso constitua um risco de privacidade ou segurança.
A executiva, que falou deste conceito na Vodafone Business Conference, considera que a indústria automóvel e de mobilidade é a que está mais pronta para adotar estas tecnologias. O investimento das construtoras na inteligência das máquinas tem sido muito intensivo, há uma transição em curso para a eletrificação, e o caminho para os carros autónomos fomenta plataformas da Economia das Coisas.
Na sua apresentação, Agata Slater deu o exemplo de um carro elétrico que é capaz de detetar a necessidade de ser recarregado, procurar uma estação de carregamento e pagar de forma autónoma.
A Bosch, que fala de uma “Economia de Tudo”, exemplifica com um carro que paga sozinho pelo estacionamento, mas há outras áreas em que a Economia das Coisas (EoT, na sigla inglesa) demonstra potencial. Num relatório sobre o tema, a Bosch defende que estes princípios podem ser transferidos do automóvel para a indústria da manufatura, sector energético e mercados de consumo. “Em princípio, as interações podem ser entre toda e qualquer coisa”, indica a pesquisa da multinacional.
O que é preciso é começar nalgum lado e o melhor ponto de partida, argumentou Agata Slater na conferência, é uma combinação entre tecnologias inovadoras de Inteligência Artificial, Internet das Coisas e blockchain. É isso que diferencia este momento: nunca foi possível fazer tanto com ferramentas tão acessíveis.
Quais foram os destaques da sua apresentação na conferência e as mensagens que quis transmitir à audiência?
Falei da influência que as tecnologias inovadoras têm umas sobre as outras. Estamos a ouvir falar bastante de tecnologias diferentes de forma individual, há um ‘hype’ significativo à medida que estas tecnologias entram no mercado, mas o que muita gente esquece é que elas resolvem parte de um dado problema. Quando são combinadas, o seu impacto é ainda maior.
Referi especificamente a IoT [Internet das Coisas], IA [Inteligência Artificial] e o blockchain, porque acredito que há uma sinergia muito forte entre estas tecnologias. Vamos ver o seu impacto a crescer, em especial no impulso à digitalização em muitas indústrias.
Dei exemplos de como estas tecnologias podem trabalhar juntas em situações reais para resolver problemas da vida real e quais são as regras em torno da implementação destas tecnologias.
Qual é um bom exemplo de como estas tecnologias podem ser combinadas para criar, por exemplo, novas formas de monetização?
Referi um conceito chamado Economia das Coisas e é aqui que estas tecnologias ganham vida. A Economia das Coisas é um conceito que inclui dispositivos IoT a comunicarem e a fazerem transações de forma autónoma. Se tivermos essa conectividade, chegamos a uma dimensão diversa de dados e isso pode ser convertido em novas soluções e novos produtos, em especial se adicionarmos capacidades IA em cima.
Vejo a mobilidade e [sector] automóvel como uma indústria que está pronta para a adoção destas tecnologias, visto que este sector está a ser disruptivo a ritmo elevado. Dei exemplos de como esta Economia das Coisas pode ganhar vida neste contexto.
Quando é que acredita que um carro elétrico poderá pagar diretamente à estação de carregamento sem intervenção humana?
Em teoria, muito em breve. Digo em teoria porque, tecnicamente, temos a tecnologia para fazer isto funcionar, temos exemplos de soluções no mercado que têm como objetivo alavancar esta combinação de blockchain, IA e IoT para tornar isso possível. Uma delas foi criada e está a ser facilitada pela Vodafone, chama-se Digital Asset Broker. Por isso, vamos ver ofertas destas no mercado muito em breve, algo como Economia-das-Coisas-como-serviço.
Quais são os obstáculos?
Construir estas economias não é fácil. Requer um efeito de rede e que muitos ‘stakeholders’ diferentes se juntem e partilhem dados abertamente. Muitas empresas têm relutância em fazer isso, porque ao longo dos anos habituaram-se a um modelo diferente.
Creio que ainda não estamos lá, não por razões técnicas mas por motivos de negócio. Porque é muito difícil integrar estes diferentes players num ecossistema como esse.
No que toca ao blockchain, quais são as principais vantagens de o adicionar a esta equação, visto que a IA e IoT não precisam necessariamente disso?
É verdade, e o blockchain tem definitivamente sido esquecido agora que vemos a Inteligência Artificial a ser tão popular. Há aqui um ‘hype’. Há uns anos, esse ‘hype’ era sobre o blockchain. Houve um certo desapontamento em relação a ele. Mas, como eu disse, cada uma destas tecnologias tem uma função separada, um papel destacado.
Com a Economia das Coisas e em combinação com a IA e o IoT, o papel do blockchain é adicionar uma camada de confiança em torno da partilha de dados. O blockchain ajuda-nos a construir registos imutáveis em torno dos dados e isso não só adiciona uma camada de transparência como também facilita as transações dentro de um ecossistema de dispositivos digitais. Isto significa que o blockchain pode ajudar a criar novos trâmites de pagamentos para estes novos tipos de economias digitais.
Tal como disse, a IoT e a IA não precisam de blockchain, mas creio que o blockchain adiciona esse valor da transparência e fiabilidade dos dados. Há muitos pontos de interrogação neste espaço da IA e à medida que mais empresas adotam esta tecnologia, mais perguntas vão aparecer em torno da transparência, confiabilidade dos dados e ter mais conhecimento acerca do que está realmente a acontecer por detrás da tecnologia que estamos agora começar a descobrir.
É isso que a União Europeia quer endereçar com o AI Act, transparência, segurança, privacidade. Acredita que é a abordagem certa, visto que as empresas europeias terão de cumprir regulamentos?
Pessoalmente, acredito que a regulação é uma coisa boa. Estamos a aprender isso da forma mais difícil no espaço do blockchain, em que as empresas demonstram relutância a entrar no espaço. Sou uma grande fã da regulação. É claro, têm de ser introduzidas com muita ponderação e de forma a não abrandar o ritmo de inovação, o que é muito difícil de fazer.
A UE está a dar os primeiros passos para a regulação do espaço da IA, começando pela identificação de áreas de alto risco. São as situações em que a IA pode representar ameaças à nossa segurança como indivíduos. Por exemplo, no policiamento preditivo ou no uso de imagens faciais extraídas de câmaras de segurança para fins não autorizados. Esse é o primeiro passo. Mas claro, tem de haver um equilíbrio entre regular e inovar.
Considera que um país pequeno como Portugal pode beneficiar mais com o avanço da IA ou enfrentar mais desafios?
Penso que toda a gente pode beneficiar destas inovações. Depende de qual a abordagem que tomamos. Queremos estar na linha da frente desta inovação e saltar de cabeça e começar a desenvolver soluções, experimentar, inovar, construir laboratórios tecnológicos que ajudam a testar este espaço? Nem todas as empresas e nem todos os países estão posicionados de forma igual para encarnar esse papel.
Mas penso que mais soluções vão emergir no mercado, tal como a DAB, que permitem usar estas tecnologias como serviços. Por isso, mesmo que uma empresa não tenha o know-how tecnológico ou os recursos certos para entrar neste espaço de cabeça, há soluções a serem modeladas que vão permitir que estas empresas façam parte da inovação sem terem de desenvolver estas soluções de raiz.
Há espaço para toda a gente nesta área. Só que requer o tipo certo de estratégia e um ‘roadmap’ de longo prazo, de aonde queremos chegar com essa tecnologia.
Ana Rita Guerra
CUPERTINO, CALIFORNIA - SEPTEMBER 12: The new iPhone 15 is displayed during an Apple event at the Steve Jobs Theater at Apple Park on September 12, 2023 in Cupertino, California. Apple revealed its lineup of the latest iPhone 15 versions as well as other product upgrades during the event. Justin Sullivan/Getty Images/AFP (Photo by JUSTIN SULLIVAN / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / Getty Images via AFP)