Sala de jogos. Aulas de ioga. Cestos de fruta. E se o próximo benefício de trabalhar numa empresa for um dispositivo que melhora as habilidades cognitivas e cria novos caminhos neuronais no seu cérebro?
É isso que o sistema criado pela startup portuguesa Neroes pretende oferecer. Consiste num dispositivo com elétrodos que se coloca na cabeça, lê a atividade cerebral e guia o utilizador numa série de ações que treinam o cérebro em objetivos concretos. Por exemplo, reduzir o stress e ansiedade ou melhorar o foco e a tomada de decisão. O sistema produz um relatório mensal com a evolução das capacidades cerebrais e de três em três meses há uma avaliação comparativa.
“O que estamos a fazer é alterar o funcionamento do cérebro da forma mais eficiente e direta possível”, diz ao Dinheiro Vivo o CEO da Neroes, Pedro Pestana. “Medimos essa alteração do funcionamento cerebral em diferentes regiões do cérebro e mostramos isso à pessoa.”
É uma evolução medida tanto de forma quantitativa como qualitativa, aplicando escalas da psicologia. “Medimos indicadores como a ansiedade, a capacidade de tomada de decisão e a concentração e passados três meses voltamos a aplicar as mesmas escalas para perceber a evolução”, descreve Pedro Pestana.
Na solução, que a Neroes já implementou em várias empresas, o diferenciador é o sistema de treino, medição e personalização. O hardware em si é produzido em outsourcing.
“Somos muito disruptivos em relação ao que existe pela forma como utilizamos a Inteligência Artificial”, explica Pedro Pestana. “Basicamente é colocar a IA a ter uma simbiose com a pessoa.”
O cenário de treino é simples: uma nave que sobe conforme a atividade cerebral do utilizador conectado à solução. A pessoa executa ações como respirar fundo, libertar a tensão do corpo e pensar em coisas positivas para chegar ao estado que ativa uma dada região do cérebro. “Se estivermos a falar do controlo emocional, ela está a tentar ativar essa região e quanto mais ativar executando essas ações mais a nave vai subir”, explica Pedro Pestana. Com o tempo, diz, criam-se novos caminhos neuronais devido à neuroplasticidade nessa região. “É como se estivesse a puxar um peso no ginásio para aumentar um músculo específico”, compara o CEO. “Devido à neuroplasticidade, quanto mais se puxa a nave para cima mais se desenvolve aquela região e o controlo emocional.”
Os resultados práticos são relevantes. Segundo os dados da startup, a utilização do sistema permite reduzir a ansiedade em cerca de 15% no primeiro mês, continuando depois a ter ganhos. O controlo emocional regista uma melhoria de cerca de 10% nesse período.
“Temos impacto direto na saúde mental para que depois seja possível potenciar estas habilidades cognitivas, como por exemplo a capacidade de tomada de decisão rápida, que aumentamos em mais de 20%”, acrescenta o executivo.
Nos próximos dois anos, a ideia da startup é criar um mapa mental privado em que o utilizador possa ver o seu foco, capacidade de tomada de decisão, concentração e controlo emocional, e obter um plano de treinos para melhorar.
Depois de escolher os seus objetivos, como aumentar as vendas, a ferramenta de IA irá prescrever, por exemplo, treinar o foco três minutos, o controlo emocional dois e a tomada de decisão 10. E vai reajustando o treino para chegar a esse objetivo.
“O que acontece de muito transformador com a nossa plataforma é que estamos a usar as nossas capacidades de IA para ter uma relação simbiótica connosco”, descreve Pedro Pestana.
Os pilares da solução são o treino, a previsão e a quantificação das habilidades mentais, com a aplicação de ‘machine learning’ e algoritmos IA.
“Ao mesmo tempo que estou a aprender o que tenho de fazer para fazer subir a nave, a própria plataforma está a aprender o que preciso para aumentar ao máximo”, continua. Mudar a música? Colocar um asteróide para incrementar o stress? Subir o ritmo da música?
“Nós estamos pela primeira vez a utilizar esta Inteligência Artificial para ter impacto no desenvolvimento da pessoa, no desenvolvimento humano e no seu potencial”, argumenta Pedro Pestana. “Potenciamos a saúde mental e a performance através de neurotecnologia.”
A startup está a focar o modelo de negócio na performance profissional mas o executivo refere que esta começa na saúde mental. “Não existe performance se houver ansiedade e depressão.”
O CEO sublinha a importância de ferramentas como esta para parar o ciclo vicioso que tem levado muitos profissionais ao esgotamento. “Mais stress, menos eficiência, a performance baixa. Se a performance baixa tem de trabalhar mais horas, mais stress”, indica Pestana. “Ou se para o que se está a fazer e vai para outro sítio ou chega-se a um burnout. Nós queremos atuar nesse ciclo.”
Neste momento, o preço da solução é de 400 euros com um custo de implementação de mil euros e o mercado está recetivo à inovação. A Neroes, que esteve incubada no Vodafone Power Lab e já recebeu vários prémios, tem uma ronda de 1,5 milhões de euros a decorrer e está a olhar para a expansão internacional, incluindo Brasil.
“A nossa visão é que a solução seja crucial em qualquer ambiente de trabalho, que viremos a página da saúde mental e deixemos de olhar para ela como um tabu e passemos a olhar para uma situação concreta”, indicou o CEO. “Vamos otimizar ao máximo as pessoas, a sua performance, fazer com que se sintam satisfeitas no seu local de trabalho e consigo mesmas.”
Ana Rita Guerra