Foi uma das questões mais relevantes que o presidente do INESC e professor do Instituto Superior Técnico, Arlindo Oliveira, abordou durante a sua apresentação na Vodafone Business Conference: a regulação da Inteligência Artificial na Europa. O AI Act que está em discussão na União Europeia, indicou, “esqueceu a parte da competitividade” e focou-se mais na privacidade e segurança. A matéria é importante para um país como Portugal, que já produziu vários unicórnios nesta área e poderá beneficiar bastante com o seu desenvolvimento. O autor e académico disse, em entrevista no rescaldo da conferência, que Portugal é mesmo um dos países ocidentais que mais tem a ganhar com a introdução de tecnologias de IA.
Quais são as mensagens principais que espera que a audiência retenha e discuta?
A mensagem fundamental é que os dados das empresas são uma coisa muito valiosa e, se devidamente explorados através de tecnologias de analítica podem trazer valor para o negócio, conquistar novos clientes, reter clientes, etc.
Uma segunda mensagem é que, além da analítica mais ou menos tradicional que se tem feito, e que muitas empresas têm já montada, neste momento temos tecnologias de aprendizagem profunda que permitem processar outros tipos de dados. Textos, emails, imagens, vídeos. Esta combinação da analítica tradicional com a capacidade para tratarmos novos tipos de dados torna estes sistemas muito poderosos e permite acrescentar muito valor a muitos negócios.
Como vê o desenvolvimento destas tecnologias de Inteligência Artificial em Portugal neste momento?
Portugal tem uma comunidade científica muito ativa nesta área, para a sua dimensão. Tem uma boa história de especialistas em Inteligência Artificial e temos várias empresas, unicórnios mesmo, nesta área, como a Feedzai, Unbabel e outras. Portanto, estamos bem posicionados para aproveitar isto. Era importante que as empresas também acarinhassem, como clientes, essas empresas e outras que estão a tentar desenvolver estas tecnologias. Pode ser que tenhamos a sorte de mais algumas empresas virem a crescer e a tornarem-se influentes internacionalmente.
Quais considera serem os principais desafios das empresas?
Neste momento temos um desafio grande ao nível do talento, da retenção do talento. Acho que não há grande alternativa, temos de dar boas condições às pessoas, boas condições fiscais mas também boas condições de trabalho, bons vencimentos e projetos desafiantes. Senão, arriscamo-nos a perder uma parte significativa do talento que desenvolvemos para o estrangeiro e ficamos limitados pela falta de talento. Penso que essa é a maior dificuldade.
Na sua apresentação falou dos pontos positivos e dos negativos, sendo que há este receio de que a automação venha a retirar postos de trabalho.
É um receio antigo e até ver não temos indicação que seja um problema. Portugal está muito limitado pela falta de mão-de-obra e também pela baixa produtividade. São dois fatores que influenciam profundamente a economia portuguesa. Ambos podem ser ajudados pela Inteligência Artificial. O aumento da eficiência aumenta a produtividade mas também reduz a necessidade de recursos humanos. Acho que Portugal é dos países que mais tem a ganhar, no mundo ocidental, com a introdução destas tecnologias.
Portanto, devíamos abraçar estas tecnologias sempre com o objetivo de aumentar a produtividade e darmos melhores condições aos nossos empregados e também de colmatar as limitações de recursos humanos que inevitavelmente temos enquanto tivermos uma produtividade mais baixa.
Por onde devem começar as empresas que querem enveredar por esse caminho?
Devem contratar pessoas com competências nesta área, os gestores devem procurar obter formação mínima nesta área. Existem formações na Internet, as universidades dão formação nesta área; familiarizarem-se com as tecnologias é importante e estimularem a sua adoção nas empresas.
Quais considera serem os principais benefícios desta era de Inteligência Artificial generativa que criou todo o entusiasmo que vimos no último ano?
A principal vantagem é justamente permitir analisar dados que até agora não eram estruturados e não era possível, por exemplo textos, emails, respostas de clientes, telefonemas de clientes, mas também imagens dependendo da área de atuação. Quer imagens quer textos podem agora ser analisados por estas tecnologias modernas de Inteligência Artificial, de aprendizagem profunda, generativa, que até agora não podiam. Estávamos restritos a dados muito mais estruturados e de muito maior qualidade.
Viu algum exemplo recente que o tenha impressionado? Na apresentação referiu a Neural Shift, uma startup que está a trabalhar em várias áreas.
Eles estão a trabalhar na área legal, na análise de textos, têm também aplicações na área da visão por computador, mas existem outras empresas que fazem precisamente isso. Principalmente na área de apoio ao cliente, há muitas empresas neste momento a desenvolver aplicações inovadoras que reduzem os custos e aumentam a eficiência.
É um otimista em relação ao futuro a que estas tecnologias nos vão levar?
Sou. De uma maneira geral, a tecnologia tem sempre contribuído para melhorar a nossa qualidade de vida ao longo de mais de 250 anos. É claro que há sempre o risco de um desastre no futuro, seja por uma guerra nuclear ou por alguma hecatombe não prevista. Mas sou um otimista e acho que a tecnologia, se bem gerida, vai continuar a melhorar a nossa qualidade de vida, tal como tem acontecido.
Falou do AI Act e de a União Europeia estar mais focada na privacidade e segurança do que na inovação. Isso pode prejudicar as empresas europeias?
Acho que temos que ter cuidado para que a Europa se mantenha competitiva no desenvolvimento de tecnologias. Isso é uma questão que me preocupa neste momento, porque vemos que as grandes empresas estão nos Estados Unidos e na China e não na Europa.
Ana Rita Guerra